XXXIII Domingo Tempo Comum: Mt 25,14-30 - Talentosos ou preguiçosos infiéis

Por: Dom André Vital Félixa da Silva, SCJ

Qualquer pessoa atenta à leitura do evangelho deste Domingo não teria dificuldade nenhuma de compreender aquilo que Jesus ensina nesta parábola, isto é, a responsabilidade que cada um tem de fazer multiplicar os talentos e capacidades que recebeu, contudo, não é tão simples entender a chocante afirmação da conclusão: “Tirai dele o talento e dai-o àquele que tem dez. Porque a todo aquele que tem será dado mais, e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado”. Fora do seu contexto, sem dúvida, esta palavra soaria como injustiça. Mas quem ouviu todo o desenrolar da história, reconhecerá que não seria possível uma outra conclusão. 
Apesar de ter sido acusado por um de seus servos de ser um “homem severo, pois colhe onde não plantou e ceifa onde não semeou”, o patrão não foi em nenhum momento injusto ou cruel com os seus servos, pois “chamou-os e lhes entregou seus bens... deu a cada um segundo a sua capacidade”. O patrão não agiu com exclusivismos, mas com realismo. Pois o mais importante não era o valor do lucro, mas a capacidade de administrar bem o pouco, para poder entrar naquilo que era o muito mais: “Vem participar da minha alegria”.
A palavra “talento” originalmente não é, como geralmente entendemos, capacidades, dons, aptidões. Talento é um instrumento para medir o peso, uma balança (grego talentov: “balança”, de talas, “o que suporta, sustenta”). Evidentemente que a partir daí se começou a considerar o talento aquilo que é “pesado”, valioso etc. Mas para além de questões terminológicas, o que está em foco é o ensinamento de Jesus em relação às posturas existenciais que o ser humano assume no seu caminho rumo à eternidade. A diversidade da quantidade dos talentos (5 – 2 - 1) não representa uma distribuição injusta, pois a injustiça seria se um recebesse 5 e o outro nenhum. A liberalidade do patrão se adequou à disposição de cada um: “a cada qual de acordo com a sua capacidade” (grego: dúnamis, força), o que contradiz a fala do servo preguiçoso. Pois se o patrão tivesse lhe confiado 5 talentos, ou seja, algo superior à sua capacidade, de fato, poderia ser acusado de recolher onde não semeou. 
Muito significativa é a fala do patrão no momento da prestação de contas: “Servo, bom e fiel! Como foste fiel no pouco...”. Portanto, o patrão não confiou aos seus servos uma tarefa exorbitante, que os tornasse quase que incapazes de administrar. Mas lhes deu apenas uma “balança”, ou seja, favoreceu-lhes oportunidades para que pudessem medir as suas capacidades, a sua disposição responsável diante da administração dos bens que lhes foram confiados, descobrindo assim as suas potencialidades. Essa é a lei da vida: não nascemos prontos, mas o itinerário da existência é sempre a possibilidade de, medindo as nossas capacidades inatas e adquiridas, crescermos sempre mais em direção à plenitude de vida. 
A diferença fundamental entre os dois primeiros servos e o terceiro não está simplesmente na quantidade recebida, mas na qualidade do seu agir diante do que receberam. Os dois primeiros saíram logo, trabalharam e lucraram. Mas o terceiro: “cavou um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu patrão”. Duas atitudes incoerentes: cavar a terra e esconder o dinheiro. Enquanto os outros dois saíram e trabalharam, isto é, investiram a soma em algo que se multiplicasse, o servo preguiçoso plantou o dinheiro, isto é, totalmente fora de propósito, pois se ao menos tivesse comprado sementes, teria sentido cavar a terra, e certamente teria lucrado abundantemente com a colheita. Esconder o dinheiro do seu patrão no campo, além de fazer mau uso dele, colocava-o em risco, pois outra pessoa poderia encontrá-lo, como na parábola do tesouro escondido (cf. Mt 13,44).  
Portanto, entendendo o talento como a oportunidade que nos é dada para medirmos as nossas capacidades, despertá-las, reconhecê-las, fazê-las crescer, exige de nós a disposição (dúvamis: a força) de trabalhar os bens recebidos. As provocações e desafios da vida nos abrem a possibilidade de sair do nosso comodismo, da tendência hodierna à mediocridade, às vezes justificadas porque consideramos que é muito pouco o que temos (1 talento) e, por isso, não vale a pena nenhum sacrifício para nos empenharmos na administração coerente e fiel dos bens (materiais e espirituais). Mas também podemos fazer como o servo mau e preguiçoso que, na verdade, não foi-lhe tirado injustamente o pouco que tinha, mas ele mesmo rejeitou o que recebera por causa de sua falta de iniciativa na administração. Na verdade, não perdeu o pouco que tinha, mas rejeitou o pouco que lhe foi dado. Como lembramos, na fala do patrão todos receberam “pouco”, mas o que se tornou grande não foi o resultado material, mas a bondade e fidelidade dos servos. Na vida, nos é confiada constantemente uma balança para medirmos as nossas capacidades, valores, possibilidades, cabe a nós decidir o que fazemos com ela, se somos talentosos ou preguiçosos infiéis.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana