Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
“Nadar, nadar e morrer na praia...” Mesmo não sendo um dito bíblico nem muito menos uma expressão exclusivamente religiosa, este provérbio bastante conhecido traduz muito bem o que certamente foi a experiência daquele rico que, interpelando Jesus sobre o que fazer para ter garantida a plenitude de sua existência, vai-se embora triste diante da resposta clara e provocadora do Mestre.A pergunta do homem rico, além de indicar uma falta de conhecimento sobre o que fazer para alcançar plenitude de vida, revela também uma angústia desesperadora de alguém que é incapaz de aceitar que, por si só, não encontrará a tão almejada prática garantidora de felicidade, pois o que tem feito até agora não o deixa satisfeito, falta-lhe um algo a mais. Diante da constatação de tudo ter feito, ainda busca resposta para as suas perguntas fundamentais. Contudo, não aprendeu que a sua perspectiva de vida continua equivocada, isto é, ele crê que responderá a sua questão descobrindo o que fazer. Está convencido de que fazendo alguma coisa terá garantida a sua salvação; a dúvida é apenas saber o que fazer. Não está preocupado em mudar a sua mentalidade, suas atitudes de apego a si e às suas coisas, porém pretende apenas realizar algumas práticas religiosas externas, a fim de ter como recompensa a felicidade eterna.O papa Francisco, na sua primeira Exortação Apostólica (Evangelii Gaudium 95-97), nos alerta para esse grande perigo do mundanismo espiritual, ou seja, uma aparência de religiosidade ou de amor a Deus e à Igreja, mas que na realidade o que se pretende é garantir a glória humana e o bem estar pessoal. A motivação não está no ardor evangélico, ou seja, no seguimento de Cristo, mas no “gozo espúrio duma autocomplacência egocêntrica”. É uma religiosidade onde o centro é o “eu autorreferencial”, e não o Deus de Jesus Cristo, que nos convida a seguir seus passos, mesmo que isto exija de nós desapego total e conversão permanente. O homem rico revela o seu aprisionamento ao seu eu autorreferencial nas suas palavras e atitudes, como vemos no relato evangélico. Aparentemente, suas atitudes demonstram humildade: “Ajoelhou-se diante de Jesus”; e piedade, pois diante da Lei de Deus, é um fiel cumpridor: “Tudo isso tenho observado desde a minha juventude”. Por outro lado, a pergunta que faz, denuncia a sua tendência autorrefencial: “O que eu devo fazer para herdar a vida eterna?” Nesta pergunta, cujo acento está no “eu onipotente” (tudo posso fazer), encontramos uma das mais perigosas presunções do ser humano: fazer algo para ganhar a salvação. No século V, o cristianismo teve de enfrentar esta tendência quando combateu o pelagianismo, uma seita herética que negava a necessidade da graça divina para a salvação, pois defendia que o ser humano é totalmente responsável pela sua salvação e, portanto, depende exclusivamente da sua prática. Deus, por conseguinte, torna-se um impotente. Jesus, antes mesmo de dar a resposta, faz o homem rico tomar consciência da impotência do seu fazer, pois tenta ajudá-lo a reconhecer que um só é bom: Deus. E mais adiante retoma dizendo-lhe que uma coisa lhe falta. Aqui o “uma” (ev, em grego) não é um artigo indefinido, mas um numeral. Portanto, “Um” (como ehad em hebraico) é um dos atributos de Deus (Só Ele é UM) em contraposição ao “muitos bens” que o rico possuía. Quando Jesus lhe apresenta a lista dos mandamentos, omite os primeiros mandamentos (referentes a Deus), esperando que o rico complete a lista, pois assim já identificaria o que estava faltando. Mas ele não o faz, pelo contrário, afirma ter cumprido tudo, mas esquecendo que a lista estava fundamentalmente incompleta. Por isso, Jesus retoma dizendo que Um está lhe faltando. Em outras palavras, ele tinha uma prática religiosa, mas não tinha Deus. Pois possuía muitos bens, aos quais estava absolutamente apegado e, por conseguinte, havia substituído o único Deus (um) pelos muitos outros (ídolos).E, agora, o grande desafio é desfazer-se dos muitos, para ficar com Um só. E o primeiro passo é transformar os seus muitos bens (riquezas, ídolos) em ajuda aos mais necessitados: “Venda e dê aos pobres”, tornar o “meus” em o “deles”, sair de uma religiosidade estéril, onde o eu está no centro, para uma solidariedade autêntica, onde o outro tem lugar. O que o rico pretende é a vida eterna como prêmio, enquanto ela é herança. A herança passa do pai para o filho pelo fato de o filho ser filho e não porque o filho fez isso ou aquilo para o pai. Contudo, se o filho não reconhece o pai, deixa de ser filho, e não age como filho. O homem rico almeja um prêmio apoiando-se no seu fazer, enquanto que a vida eterna é garantida pelo ser filho, o que ele rejeitou: “Entristeceu-se e foi embora porque era possuidor de muitos bens”. Seguir a Jesus era a possibilidade de aprender a ser filho, a completar aquilo que lhe faltava. Mas isso só seria possível no seguimento. Era abandonar a presunção da onipotência, do querer fazer, para assumir a atitude da docilidade do discípulo que se deixa modelar, que é refeito pelo Pai, que cresce à medida que se abre à ação da graça divina, e não simplesmente confiar nas suas capacidades de perfeição. O homem rico fez grandes esforços: correu, ajoelhou-se, “cumpria tudo”, mas não foi capaz de empreender o caminho que lhe faria alcançar o que lhe faltava: o seguimento de Cristo. Nadou, nadou e morreu na praia.
Dom André Vital Félix da Silva, SCJBispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CEMestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana