XXVII Domingo Tempo Comum: Mt 21, 33-43 - Tinha tudo para dar certo, mas...

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A parábola contada por Jesus no evangelho de hoje é uma grande crítica feita aos líderes tanto religiosos (sumos sacerdotes) quanto políticos (anciãos) do povo judeu que não cumpriram a sua missão de trabalhadores da vinha, mas se tornaram os seus déspotas. Por outro lado, o Mestre ressalta o grande amor de Deus pelo seu povo, a sua vinha amada, plantada cuidadosa e diligentemente, porém, ameaçada pela ambição dos seus cuidadores, os quais por causa da desobediência, tornaram-se verdadeiros usurpadores dos direitos do seu proprietário.
Considerando o ensinamento da parábola que, sendo Palavra de Deus, transcende momentos históricos pontuais e tem sempre uma atualidade, é incontestável a sua aplicação a nós hoje. 
Assim como na parábola, a vinha representa o povo de Deus, hoje a vinha do Senhor somos nós. O proprietário ao plantar a vinha, isto é, ao dar início à vida, cercou-lhe de carinho e proteção, contudo o ser humano, levado pela ambição, insiste em destruir esta vinha, transformando-a em sua propriedade, sem reconhecer que ela pertence ao seu Senhor. Abandonar a sua vocação original de servidor da vinha (da vida) para tornar-se ilegitimamente seu dono, faz do ser humano uma ameaça para o seu semelhante proliferando um ciclo de violência e destruição.
O proprietário da vinha, antes de arrendá-la aos vinhateiros, fez três coisas fundamentais para que a sua vinha não fosse destruída e alcançasse o seu objetivo, ou seja, produzisse frutos dos quais uma parte pertence indiscutivelmente ao seu dono. A primeira ação foi “cercar a vinha”. A cerca tem como finalidade proteger, separar, colocar limites. 
Para a Sagrada Escritura uma das ações consideradas muito próprias de Deus é justamente o seu desejo de escolher um povo, separá-lo dos demais, pois deseja fazer dele um instrumento de bênção para que todos os outros encontrem o caminho da verdadeira vida. A separação na Bíblia não significa exclusão, mas momento pedagógico para favorecer a construção da identidade a partir de um relacionamento concreto, onde o amor e a fidelidade são vivenciados de forma tal que esse povo se torne referência, uma ajuda indispensável para os demais.
A segunda ação do proprietário é “cavar um lagar” para esmagar as uvas. Sendo uma vinha, é evidente que se espera a colheita de uvas, porém não bastam apenas as uvas, é preciso levá-las para um lugar mais profundo, para que esmagadas, produzam vinho, deem o melhor de si. O vinho na Sagrada Escritura é símbolo da alegria, é sinal de que a vinha está alcançando a sua razão de ser, está atingindo os seus objetivos. 
Por fim, o proprietário “edifica uma torre de guarda”. Este tema na Sagrada Escritura tem muita relevância, pois simboliza a atitude de vigilância, de cuidado permanente a fim de que a vinha (a vida) não sofra ameaças, assaltos, invasões destruidoras. Certamente aqui se chega ao ponto mais comprometedor da missão dos líderes, vigiar para que a vinha não se exponha a perigos de toda ordem e seja preservada. 
Portanto, tinha tudo para dar certo. Mas os vinhateiros se converteram em cruéis exploradores da vinha, não quiseram apenas apoderar-se de todos os seus frutos, mas também tomar posse da sua herança. 
As atitudes dos vinhateiros também são três em relação aos enviados do proprietário da vinha que legitimamente vieram receber parte dos frutos e que, por justiça, pertenciam ao dono. A primeira atitude é “espancar” (grego: dero, tirar a pele, esfolar, “der” é raiz que deu origem a palavra derme: pele). A pele é o maior órgão do corpo humano, serve de proteção. Batendo nos enviados, os vinhateiros estavam simbolicamente destruindo aquilo que o proprietário tinha estabelecido como proteção. É próprio de quem usurpa, tornar o seu objeto de ambição vulnerável, desprotegido, a fim de poder ter sobre ele o maior controle possível.
A segunda ação: “matar”, enquanto o proprietário tinha cavado um lagar para a fabricação do vinho, símbolo da alegria, e, portanto, uma referência clara à vida na sua plenitude, os vinhateiros transformam o lagar em lugar de morte. Por fim, “apedrejar” (grego: lithoboleo, literalmente “arremessar pedras”), é justamente o contrário da terceira atitude do proprietário, ou seja, enquanto o dono da vinha juntou pedras e ergueu uma torre de guarda, os vinhateiros desintegraram simbolicamente a torre que deveria servir de alerta, custódia, a fim de se apossarem definitivamente da vinha, já que não haveria mais nada que os impedisse de alcançar esse objetivo. 
A conclusão da parábola é o anúncio profético de que apesar de tudo, Deus não desistiu de sua vinha. A morte do seu Filho foi a expressão indiscutível da fidelidade de Deus de preservar e defender a sua vinha. Ressuscitando, Jesus é o definitivo herdeiro da vinha, e continua cuidando dela com a sua Igreja, novo povo, como cerca chamada a proteger a vida, com a Eucaristia, fruto por excelência da sua entrega no lagar da cruz, onde foi triturado e pisado, e com o seu evangelho, qual torre-farol, que ilumina e indica o caminho, a verdade e a vida. Temos tudo para dar certo, mas o que estamos fazendo?



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana