XXVII Domingo do Tempo Comum: Lc 17,5-10 - Só a fé serve!

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Diante do pedido dos discípulos: “Aumenta a nossa fé”, a resposta de Jesus, mesmo parecendo um tanto dura, pois pode ser interpretada como uma correção, é um verdadeiro ensinamento sobre a autêntica fé. Ele não dá explicações teóricas sobre a fé, nem muito menos alimenta a ingenuidade dos discípulos que pensam a fé em termos de quantidade. Mas com uma linguagem viva e comparações bastante conhecidas, como o adágio da semente de mostarda ou a prática dos servos que não devem exigir nenhum louvor a mais por causa da natural obrigação do seu trabalho, Jesus adverte os seus discípulos que não é a fé que deve crescer, mas aquele que crê é que deve estar disposto ao compromisso do crescimento, cujo sinal evidente é a sua capacidade para o serviço humilde.
Observando a construção sintática do texto grego, poder-se-ia propor outras maneiras de traduzir esta frase (grego “Prosthes hemin pistis”: faz crescer em nós fé, coloca em nós fé, concede-nos fé, fortalece a nossa fé), cada uma dessas possibilidades apresenta um aspecto que enriquece e completa o significado profundo desse pedido-oração dos discípulos, os quais se dirigindo a Jerusalém, começam a sentir as consequências e exigências do seguimento do Mestre Jesus. Portanto, diante do futuro que os aguarda, quando o Senhor consumar a sua missão na cruz e entregar-lhes a missão após a sua ressurreição, só a fé autêntica poderá sustentá-los, como o próprio Jesus irá afirmar: “pela perseverança é que manterão as suas vidas” (Lc 21,19).     
Esclarecendo os seus discípulos, o Senhor afirma que a fé não se mede, mas é possível verificar a sua existência pelos frutos que ela produz. Certamente ela não cresce ou diminui, pois é dom de Deus. Mas, a fé, uma vez acolhida com generosidade e confiança, faz crescer naquele que crê a capacidade de assumir atitudes de serviço, que se caracteriza pela humildade e não pela cobrança de reconhecimento e privilégios. 
Ao comparar a fé com um grão de mostarda, Jesus ensina que não há uma fé grande ou pequena, mas que há apenas momentos diferentes de percebê-la. Assim acontece com o próprio ser humano, ele começa a existir pequeno, mas quando vai crescendo essencialmente não deixa ser aquilo que sempre foi. Apesar de a semente de mostarda ser considerada a menor, quando ela desabrocha, torna-se uma planta de tamanho inversamente proporcional.
Jesus relaciona ao tema da fé dois outros temas intimamente relacionados: o Reino de Deus e o serviço humilde. Anteriormente, Lucas já havia registrado o ensinamento de Jesus sobre o Reino de Deus, através das comparações, e entre elas se destaca a parábola do grão de mostarda (Lc 12,18). Jesus afirma que o Reino de Deus é semelhante a um grão de mostarda que um homem recebe (grego: lambano, tomar, receber) e joga (grego: ballo, joga, lança) na sua horta. O Senhor evidencia duas ações do homem que são fundamentais para que o pequeno grão se torne grande árvore. Destarte, destacam-se as duas dimensões primordiais da autêntica fé:  a gratuidade do dom (a semente) e o serviço de lançar na terra, o que exige disposição para preparar a terra e, ao mesmo tempo, cuidado constante para que a semente lançada encontre as condições necessárias para germinar, crescer e produzir frutos. 
Assim como a semente para crescer desafia o agricultor fazendo-o crescer no seu empenho, exigindo dele serviço generoso e perseverante, alimentado pela esperança dos futuros frutos, assim a fé no coração do crente não cresce simplesmente, mas o faz crescer em convicção, confiança, generosidade e laboriosidade em vista da implantação do Reino. Não é o nosso trabalho que aumenta a nossa fé, mas a fé em nós acolhida com humildade é que nos faz crescer. 
A exemplificação de fé feita por Jesus: “Poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria”, entendida no conjunto dos ensinamentos e atitudes de Jesus, não quer insinuar que a fé seja uma força mágica utilizada para gestos espetaculares ou mesmo manifestações fantásticas próprias dos palcos do “show da fé”. O símbolo da amoreira, uma árvore que atinge até 6 metros de altura e, portanto, de raízes profundas, serve para dizer que a fé não atinge apenas a superficialidade de quem crê, a fé não é apenas retoque superficial para fazer de conta que se confia; sendo um dom de Deus e acolhido pelo crente, produz em quem crê uma  verdadeira conversão, pois é capaz de desenraizar o ser humano até mesmo das situações mais profundas de pecado e conduzi-lo para uma nova situação de vida, talvez impensável segundo cálculos humanos.
Porém, a fé, acolhida como dom de Deus, exige do crente uma atitude de humildade diante das grandes coisas que ela produzirá nele. Portanto, assumir de forma perseverante e fiel a sua condição de servo, sem jamais ceder à tentação de se pensar o sujeito imprescindível do crescimento da semente, ou ter a presunção de que a qualidade da semente depende do seu esforço, isso será a garantia do seu crescimento. Arar a terra, cuidar dos animais, em termos comparativos, simbolizam a atitude responsável e fiel dos servos humildes, que jamais abandonam o seu avental (“cinge-te”) pois reconhece que é só servindo que eles nunca deixarão de crescer. A sua humildade transforma-se em alegre convicção e, por isso, afirmam: “Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer”. A expressão “servos inúteis” que se tornou a tradução mais corrente, apresenta-se um tanto contraditória: um servo que fez o que deveria fazer é inútil? Mas o evangelho, segundo a lógica humana, é muitas vezes contraditório, porém a palavra “inúteis” em grego pode ser também traduzida por “indignos de louvor” (grego achreioi: indignos de louvor, miseráveis, inúteis). Assim, não há nada mais coerente para aquele que crê do que reconhecer que só Aquele de quem recebeu a semente (fé) é digno de louvor e reconhecimento, porque é Ele quem faz crescer o servo que crê, pois só a fé autêntica faz o verdadeiro servo.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana