XXIX Domingo do Tempo Comum: Lc 18,1-8 - Oração perseverante alimenta a fé incansável

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Afirma Santo Agostinho: “Creiamos para orar... A fé faz brotar a oração, e a oração, enquanto brota, alcança a firmeza da fé”. O evangelho deste XXIX Domingo do Tempo Comum nos apresenta, com toda clareza e simplicidade, o fundamento dessa convicção de Santo Agostinho. De fato, ao instruir os seus discípulos nessa última fase da subida para Jerusalém, Jesus reitera a íntima relação que existe entre a fé e a oração. Pois a oração só será autêntica se estiver enraizada na fé; e a fé só produzirá frutos se for alimentada pela oração. 
É evidente o interesse de Lucas pelo tema da oração. Ao longo do seu evangelho (e também nos Atos dos Apóstolos) encontramos a preocupação de relembrar à sua comunidade o valor imprescindível da oração. Sem a oração, a comunidade não poderá se manter viva e fiel a sua vocação e missão no mundo, pois perderá a clareza da sua identidade e a força para cumprir a sua missão. Jesus é o orante por excelência; explicitamente o evangelista refere 9 ocasiões onde Jesus ora. Oração que extrapolava os esquemas tradicionais da religião de Israel. A característica fundamental da oração do Mestre era a sua capacidade de colocar-se diante de Deus de modo novo e singular. Na oração, Jesus testemunha a fonte donde hauria força para cumprir sua missão e lucidez para nortear as suas atitudes e decisões. Orando, Jesus alimentava a sua comunhão com o Pai, confirmava a sua missão e conservava-se livre de toda tentação suscetível à sua condição de Deus feito homem.
Os discípulos contemplam o Cristo orante e reconhecem as consequências de sua oração, por isso suplicam que Ele os ensine a orar (Lc 11,1). Na perspectiva lucana, a oração tornará os discípulos cada vez mais semelhantes ao Mestre, e será garantia para não sucumbirem na tentação (Lc 22,40.46). Aprendendo de Jesus um estilo de vida orante, aprendem também a fazer opção pelo reino que exige fidelidade a Deus e compromisso solidário para com os outros, isto é, a prática da justiça. 
A parábola da viúva, que exige a conversão do juiz, ilustra as duas atitudes fundamentais da oração enraizada na fé: perseverança e confiança. Portanto, essa pobre mulher se torna o modelo do autêntico discípulo. Ela representa a comunidade cristã, muitas vezes impotente e desprovida de condições para exigir justiça diante de uma sociedade que se assemelha ao juiz iníquo que afirmava “não temer a Deus nem respeitar o ser humano”.  Um “juiz injusto” é uma imagem paradoxal, apesar de ser real em muitos casos. Aquele que devia ser o defensor da verdade (reconhecimento da injustiça cometida contra a viúva), a condição fundamental para a prática da justiça, ao recusar-se defender a causa da viúva, coloca-se do lado dos seus adversários.  Não defendê-la era o mesmo que ser-lhe injusto duplamente. O motivo que ele encontra para ser injusto é a maior das injustiças que o ser humano pode cometer na sua existência: porque não reconhece a Deus, desrespeita o seu semelhante.
A perseverança insistente da viúva provocou no juiz injusto uma mudança não motivada pelo temor de Deus ou pelo respeito humano, o que o significaria uma conversão, mas pelo medo de ser agredido publicamente por ela. Tal situação serve de contraste para o principal ensinamento de Jesus nessa parábola: o modo de Deus realizar a sua justiça. Se o juiz injusto decide, por medo, fazer justiça para com a viúva, Deus o verdadeiro juiz, justo e misericordioso, escuta a oração perseverante dos seus eleitos que clamam a Ele dia e noite. A oração autêntica não constrange Deus, mas manifesta-lhe a confiança de quem ora, pois sabe a quem se dirige. 
A comunidade, enquanto aguarda a vinda definitiva do seu Senhor, a realização plena do seu Reino de amor e de justiça, deve perseverar na oração alimentada pela fé. E, portanto, atualiza constantemente o princípio fundamental: rezar o que crer (lex orandi, lex credendi). Como a viúva acreditava no que pedia, assim a fé da Igreja se expressa na sua oração. O grande desafio da comunidade orante é ter a clareza daquilo que crê. Talvez nas nossas assembleias litúrgicas não faltem orações, súplicas, louvores. Contudo, isso não significa necessariamente que sejam expressão do que se crê no dia-a-dia, pois só o nosso modo de viver indicará com evidência e firmeza o que de fato cremos.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana