XXII Domingo do Tempo Comum: Lc 14,1.7-14 - A humildade define o melhor lugar

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A perícope deste XXII Domingo do Tempo Comum nos apresenta o ensinamento prático de Jesus sobre duas atitudes fundamentais que revelam a verdadeira dignidade e grandeza do ser humano: humildade e generosidade. Estas se opõem à vaidade orgulhosa e à demagogia enganadora que deformam as relações humanas e criam uma sociedade de “mais dignos” e “menos dignos”, de gente importante a ser exaltada, e pessoas sem valor a serem excluídas e preteridas. Sem humildade e generosidade, o ser humano transforma-se num misto de mesquinhez e mediocridade, pois a sua única motivação para agir e relacionar-se são os seus interesses egoístas e seus cálculos frios e míopes. 
De forma magistral, Lucas apresenta esse ensinamento de Jesus num contexto de uma refeição e no dia santificado: “Certo sábado, Jesus entrou na casa de um dos chefes dos fariseus para tomar uma refeição” (grego: fagein arton, comer pão). Jesus aproveita a ocasião para ensinar e anunciar como deve ser a autêntica refeição, isto é, o sentar-se à mesa para nutrir o corpo e o espírito deve ser a profunda experiência de quem se prepara para aquela definitiva refeição no Reino dos céus, onde o Pai acolhe a todos sem distinção, e onde ninguém é mais ou menos importante do que os outros; onde não há lugares mais nobres e reservados, pois será o banquete da fraternidade; sentir-se irmão de quem está sentado ao seu lado, será a única e mais importante localização naquele banquete. Se o fato da refeição já era importante, quanto mais no sábado, quando se fazia a memória do repouso de Deus que, segundo a narração do Gênesis, era contemplação da sua obra. O sábado, dia do descanso, como dia sagrado assume caráter de experiência de recriação (daí deriva o termo recreio: momento de descanso para refazer as forças, onde também se alimenta para recuperar as energias). Portanto, aquela refeição em dia de sábado deveria ser momento de recuperar a vida, considerando a igualdade fundamental das pessoas, uma vez que todas são necessitadas de alimento para corpo e, também, para o coração. Mas tornou-se ocasião para disputa de lugares segundo a classificação artificial das pessoas, consideradas umas mais importantes do que outras.
Sobretudo para culturas antigas, o momento das refeições é considerado não apenas como um momento de alimentar o corpo com um pão material, mas é também o rito sagrado de refazer as relações, de aprender os valores com a sabedoria dos anciãos, de renovar a vida com a vitalidade e entusiasmo dos jovens e perfumar-se com o bálsamo do frescor da vida dos infantes.
À mesa não se toma apenas o pão do prato, mas partilha-se o alimento que provém do interior, daquilo que brota do coração de cada um. A refeição é momento de revelação de atitudes interiores expressas em gestos externos. 
Jesus denuncia o desvirtuamento que se dá naquele banquete oferecido por um dos chefes dos fariseus: “Pois notara como eles escolhiam os primeiros lugares”. Torna-se até escandaloso que isso aconteça entre os conhecedores da Escritura, pois a orientação prática da corrente sapiencial era: “Não te vanglories na frente do rei, nem ocupes o lugar dos grandes; pois é melhor que te digam ‘Sobe aqui!’, do que seres humilhado na frente de um nobre” (Pr 25,6-7; ver Eclo 31,12-18). Jesus apenas retoma o ensinamento já conhecido. São Paulo antes de falar do rebaixamento de Jesus, da sua kénosis, adverte a comunidade dos filipenses: “Nada fazendo por competição e vanglória, mas com humildade, julgando cada um dos outros superiores a si mesmo... Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus...” (Fl 2,3-5).  Portanto, a humildade não é apenas a nobre virtude de alguns, mas deve ser a característica da comunidade cristã, pois o próprio Senhor não se apegou à sua condição divina, mas se fez servo de todos.
Indubitavelmente a experiência do estar juntos à mesma mesa, compartilhando pão e coração, nos torna humildes e diligentes uns para com os outros; é o lugar e o momento de descobrirmos que o mais importante não é o lugar onde estamos, mas a relação que estabelecemos com os outros.
A outra atitude fundamental que Jesus nos ensina nesse banquete é a generosidade: “Ao dares um almoço ou jantar não convides os amigos, nem os irmãos, nem os parentes, nem os vizinhos ricos; para que não te convidem, por sua vez, e te retribuam do mesmo modo”. A generosidade é uma das virtudes humanas mais reveladoras de um coração dilatado, de um coração grandioso e, por isso, que transborda de bondade, livre e gratuitamente. Portanto, só quem é livre pode ser verdadeiramente generoso, pois é movido pela gratuidade, não espera nada, visto que a sua generosidade já é o precioso e suficiente dom que possui. Não espera nenhuma recompensa pelo bem que faz, pois a sua generosidade já é sinal de abundância. A generosidade não se baseia em cálculos e muito menos numa mentalidade de busca de vantagens. A generosidade também não depende da quantidade daquilo que se possui, mas é, antes de tudo, expressão de uma grande liberdade, a ponto de ser capaz de sacrificar o que se tem, muito ou pouco, em vista do bem da outra pessoa.  
Humildade e generosidade dilatam o coração e, ao mesmo tempo, revelam a sua grandeza. A humildade nos coloca no lugar certo, pois garante a possibilidade de crescer sempre; a generosidade nos faz tomar a direção certa, pois nada esperando ou exigindo em troca, conserva-nos sempre um caminho livre, o que nos faz avançar sempre mais rumo à plenitude da vida que não busca glórias imediatas, nem recompensa calculada.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana