Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Ao longo desses domingos, estamos lendo trechos do capítulo sexto do evangelho de São João. Um leitor apressado certamente terá a sensação de estar diante de um tema que se repete insistentemente: o Pão (da vida), sobretudo porque a palavra pão (gr. artos, tanto o pão propriamente quanto o alimento em geral) aparece 21 vezes (17 no singular, 4 no plural); mesmo sem grandes desdobramentos exegéticos, a cifra é significativa (21= 7x3; dois números que indicam perfeição).A discussão (do verbo grego machomai indica discussão acirrada a ponto de provocar divisão) entre os judeus diante da afirmação de Jesus: “...E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”, perpassa toda a história do Cristianismo até os nossos dias. Pois a tendência racionalista que pretende compreender tudo para ser capaz de tudo explicar não consegue admitir essa verdade envolvida em grande mistério, que supera todo entendimento, pois deve ser acolhida pela fé naquele que a proclama. Se Jesus tivesse dito isso usando uma linguagem simbólica ou metafórica, não haveria nenhuma dificuldade de ser ouvida e compreendida, mas a insistência de Jesus no seu caráter realístico provoca rejeição naqueles que não acreditam Nele e, por conseguinte, não darão crédito ao seu ensinamento. Não temos dúvida de que o pão descido do céu dado por Jesus é a sua própria carne, alimento de salvação. A pergunta dos seus opositores: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?” revela a dureza do coração humano em reconhecer que, para Deus, tudo é possível. Portanto, todas as vezes que o ser humano projeta em Deus as suas próprias incapacidades de ser e fazer, conclui que também Ele não é capaz de realizar. De fato, jamais saberemos como isso acontece, mas a fé nos garante que acontece. Daí a necessidade de crer em Jesus e nas suas palavras, pois são realidades inseparáveis. É comum inclusive na nossa experiência ser assim, pois não é possível acreditar em alguém sem acreditar no que ele diz. A fé autêntica não permite essa adesão dicotômica, isto é, crer apenas numa parte do objeto da fé. Mas crer é uma adesão totalizante e, portanto, transcende o horizonte estreito da temporalidade e lança-nos na eternidade antecipadamente: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna”, e torna-se penhor da ressurreição futura: “E eu o ressuscitarei no último dia”. A vida eterna feliz não é apenas uma recompensa do bem que realizamos durante a nossa peregrinação terrestre, mas é, na verdade, o transbordamento de uma autêntica experiência de comunhão: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”. Para os antigos, sentar-se à mesa era sinal de intimidade e familiaridade; alimentar-se do mesmo pão era firmar uma aliança, pois não era apenas uma realidade externa em comum, mas o pão comido por todos estabelecia um elo interior entre os comensais; comido o pão tornava-se invisível, mas continuava real nos seus efeitos. Todos se alimentaram do mesmo pão, agora a realidade em comum não poderia ser apenas o fato de estarem objetivamente juntos, mas de terem ingerido o mesmo alimento com todos os seus corolários, isto é, fortificar os que comeram e reforçar os ligames entre os convivas. Reforça o aspecto realístico da linguagem de Jesus o fato de Ele ter estabelecido uma superioridade entre o alimento que dá e o maná do deserto. Ambos os alimentos são concretos, nada de metáforas, contudo, o primeiro caía na terra para sustentar as forças físicas, enquanto o outro, o verdadeiro Pão do céu concede o céu: “Aquele que comer deste pão viverá para sempre”. Diante da generosidade da oferta do alimento, cabe a resposta de fé de quem sente fome e quer comer para viver, e não se fecha tentando compreender, arriscando de fome morrer.
Dom André Vital Félix da Silva, SCJBispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CEMestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana