Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Santo Agostinho chama a Solene Liturgia desta noite de “a mãe de todas as vigílias”, pois nela nasce e se enraíza toda a liturgia da Igreja; cume do Tríduo Pascal, celebra-se de modo mais pleno a obra da redenção realizada por Deus através da morte e ressurreição do seu Filho. É a noite do novo nascimento para os catecúmenos e da renovação das promessas dos já batizados. A Igreja é chamada a aprofundar a consciência de sua identidade e missão; nascida do Lado traspassado do Salvador na cruz (batismo), nutrida pelo seu corpo e sangue (Eucaristia), deve ser luz no mundo.Os quatro momentos que compõem a celebração (Rito da Luz, Liturgia da Palavra, Liturgia Batismal, Liturgia Eucarística) nos fazem mergulhar numa dimensão atemporal onde a lógica da cronologia linear perde o seu sentido; não há mais nem passado esquecido nem futuro desconhecido, pois, à luz da ressurreição do Crucificado, toda a história é relida e a eternidade se faz presente: Ele é o Alfa e o Ômega, Princípio e Fim. Assim, no princípio se anuncia o fim, e no fim realiza-se o princípio. Toda a celebração faz uma retrospectiva, mas também cria uma perspectiva; porém, o eixo que as equilibra é a presencialidade da salvação.
1. No rito da luz se faz retrospectiva do princípio de tudo: existir é vir à luz. Contudo, a luz verdadeira é o Verbo eterno que entrou na história e, ao morrer e ressuscitar, iluminou definitivamente toda a criação.2. Na Liturgia da Palavra faz-se a retrospectiva de todo o caminho de iluminação da Palavra de Deus ao longo da história. Contudo, é a Palavra Encarnada que se revela a luz verdadeira, a Palavra definitiva do Pai, o ponto mais alto da sua comunicação.3. Na Liturgia Batismal faz-se retrospectiva dos grandes feitos do Senhor para dar vida à humanidade. Contudo, a vida plena é dom da morte e ressurreição de Cristo cujo penhor é o batismo. 4. Na Liturgia Eucarística faz-se a retrospectiva do evento libertador de Deus para salvar o seu povo da escravidão. Contudo, a nova e definitiva aliança se estabelece na entrega de Jesus, cujo corpo e sangue partilhamos. Neste ano B do ciclo trienal, lemos o evangelho de Marcos que, por sua vez, tem suas peculiaridades ao fazer o anúncio da experiência das primeiras testemunhas do Ressuscitado.
De forma muito didática e catequética, como lhe é próprio, Marcos descreve a cena numa perspectiva de grandes surpresas: Maria Madalena com Salomé e Maria, a mãe de Tiago, tendo passado o sábado, vão comprar perfumes para ungir o corpo de Jesus. A expectativa delas é encontrar um cadáver a ser embalsamado. Contudo, temem não serem capazes de entrar no túmulo por causa da grande pedra (grego: mega lithos) que o sigilava. Vão na certeza de encontrar um morto, trancado num sepulcro de difícil acesso. Mas eis a surpresa: “a pedra já tinha sido retirada”. Muitas vezes na Bíblia se utiliza a metáfora da pedra para indicar incredulidade, resistência diante da ação de Deus, dificuldade para crer que para Deus nada é impossível (cf. Ez 36,26). Apesar de Jesus já ter anunciado a sua ressurreição (cf. Mc 8,31; 9,31; 10,34; 14,28), o fato de irem ao sepulcro e levarem unguentos fúnebres indicava justamente essa grande pedra que impedia de crer nas palavras de Jesus sobre a sua ressurreição. Procuravam encontrar um corpo morto, deitado na cova, no entanto, são surpreendidas com a presença de um jovem, sentado ao lado direito, vestido de branco. Convictas de que o sepulcro tinha se tornado o lugar do encontro com o Messias defunto, objeto de veneração póstuma, razão para prantos e choros, contudo, diante da palavra do jovem são provocadas a darem uma grande reviravolta da sua lógica e das suas expectativas: “Não vos assusteis! Procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui”. A ordem das afirmações (ressuscitou, não está aqui), estabelece uma dependência fundamental para banir toda a dúvida sobre a causa de no sepulcro não estar mais o corpo de Jesus. A sua ressurreição é a causa de não estar mais lá. E não o contrário, isto é, não está aqui ressuscitou. Caso se invertesse essa ordem de causa e consequência, poder-se-ia muito provavelmente questionar se, de fato, foi ressurreição ou roubo a causa da ausência do corpo no sepulcro (por exemplo: não estar aqui porque os discípulos roubaram, não estar aqui porque não morreu de verdade etc.). Mas o anúncio é claro: Ressuscitou; a fé nas palavras de Jesus é a grande alavanca para remover qualquer pedra, por maior que seja e que esteja impedindo de ver a ação de Deus se realizar. O que o jovem diz depois da ressurreição de Jesus: “Ide à Galileia, lá o vereis”, já tinha sido dito pelo próprio Senhor às vésperas de sua paixão e morte: “Mas depois que eu ressurgir, eu vos precederei na Galileia” (14,28). Partir para a Galileia é mais do que um deslocamento geográfico; é um verdadeiro itinerário de seguimento de Jesus, pois é lá onde tudo começa: “Depois que João foi preso, veio Jesus para a Galileia proclamando o evangelho de Deus: ‘O tempo está realizado, o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no evangelho’” (Mc 1,14-15). Celebrar a Páscoa não é apenas dizer que Ele não está mais no sepulcro, mas refazer o seu caminho, seguir os seus passos, assumir a sua cruz e, crendo realmente na sua palavra, poder participar da sua ressurreição.
Dom André Vital Félix da Silva, SCJBispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CEMestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana