Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
A narração evangélica desse Domingo encerra a série dos 7 episódios (vocação dos primeiros discípulos: 1,16-20; exorcismo na sinagoga em Cafarnaum: 1,21-28; cura da sogra de Pedro: 1,29-31; vários exorcismos e curas: 1,32-34; oração e missão: 1,35-39; cura do leproso: 1,40-45) que Marcos compilou no início do seu evangelho a fim de exemplificar de forma concreta como a proclamação do Evangelho de Deus estava se realizando. Todos esses episódios na sua totalidade indicam que o conteúdo do evangelho proclamado por Jesus não se reduz a afirmações teóricas, mas provam que, de fato, o tempo (kairós) se cumpriu, isto é, Jesus inaugura a plenitude dos tempos, cuja finalidade é a chegada do Reino de Deus já próximo, mas que exige conversão de mente e atitudes para quem desejar entrar nele e, portanto, a necessidade de aderir pela fé ao evangelho (cf. 1,14-15).No primeiro capítulo de Marcos, a cura do leproso é colocada como o ponto mais alto da atividade missionária de Jesus, a boa notícia (evangelho) se traduz nas suas palavras e gestos: “Movido de compaixão, estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: Eu quero, sê purificado!” A cura de um leproso torna-se ocasião para o evangelista falar da missão de Jesus que não apenas livra um doente de sua enfermidade, mas assume a própria condição do doente: “Por isso, Jesus não podia entrar mais publicamente numa cidade: ficava fora, em lugares desertos”, realizando assim a profecia aplicada ao servo sofredor: “E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores que ele carregava” (Is 53,4). Tocar num leproso, considerado impuro, era tornar-se impuro também. A lei era muito dura em relação aos leprosos: “Uma pessoa que sofrer de uma doença contagiosa da pele deverá vestir roupas rasgadas, deixar os cabelos sem pentear, cobrir o rosto da boca para baixo e gritar: “Impuro, impuro! Enquanto sofrer de uma doença contagiosa, a pessoa continuará impura e precisará morar sozinha, fora do acampamento” (Lv 13,45-46).As atitudes do leproso são exemplares, isto é, apontam para aquilo que deve ser as reações de quem se aproxima de Jesus e acolhe a sua boa notícia de salvação. Antes de tudo, a corajosa confiança do doente: “aproximou-se de Jesus, e de joelhos pediu”. Sem dúvida, alguma notícia sobre Jesus já havia chegado anteriormente aos ouvidos do leproso (“imediatamente a sua fama se espalhou em todo o lugar, em toda a redondeza da Galileia” Mc 1,28). Esse anúncio deve ter sido acompanhado de um testemunho de quem já havia feito a experiência do encontro com o Senhor, provocando assim a esperança no coração do doente de que ele também poderia ser curado. Na súplica do leproso: “Se queres tens o poder de curar-me!” vemos a expressão máxima de quem confia plenamente, mas não impõe nada. A sua súplica não diz a Jesus o que ele tem que fazer, mas o que Ele pode fazer com toda a liberdade. Aqui o necessitado reconhece que Jesus é Deus, pois é só em Deus que vontade e a liberdade estão em sintonia perfeita. Ademais, o leproso não obedece a Lei segundo a qual ele deveria gritar: “Impuro, impuro...” a fim de manter longe de si quem o encontrasse no caminho. Mas ele substitui o seu grito humilhante e desesperado por uma súplica confiante e cheia de esperança. Até então, ele só podia falar aquilo que reafirmava diante dos outros a sua condição de doença que o excluía da convivência e da vida nos seus vários ambientes e aspectos. Agora aos pés de Jesus, ele pode renovar a sua esperança de uma vida nova, mas de acordo com a vontade de Deus. Nele se realiza o que se reza na oração por excelência: “Seja feita a vossa vontade” (Mt 6,10).Por outro lado, as atitudes e palavras de Jesus revelam que a sua missão expressa a sua vontade: “Eu quero: fica curado!” O mais importante agora não é divulgar o fato da cura, mas as consequências dela: voltar à convivência na família, no povoado, na vida social e religiosa. Porém, para isso é preciso um reconhecimento oficial: “Vai, mostra-te ao sacerdote...” Jesus não quer apenas o homem livre de uma enfermidade do corpo, mas quer restabelecer todos os relacionamentos vitais da sua existência, sobretudo sociais e religiosos; o leproso sendo um impuro e, portanto, excluído de qualquer tipo de relacionamento, não podia frequentar nenhum lugar, sobretudo os de culto.Contudo, o homem curado não obedece a ordem de Jesus: “Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato”. Para além de questões didáticas que justificam a proibição momentânea, a atitude do curado não contradiz o ensinamento de Jesus, pois mais adiante o próprio Senhor declarará: “Nada que há de oculto que não venha a ser manifesto, e nada em segredo que não venha à luz do dia” (Mc 4,22). Ninguém pode resistir à força da Boa Notícia de salvação. Esta é a vontade de Deus, que seja também a nossa. Pois ele assumiu nossas dores, para que nas Dele sejamos curados.
Dom André Vital Félix da Silva, SCJBispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CEMestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana