Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
A Solenidade de todos os Santos e Santas de Deus não é apenas uma questão de justiça à “multidão incontável de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas” (1ª leitura) que não é venerada explicitamente durante os outros 364 dias do ano, ou porque não foram canonizadas ou mesmo porque não estão incluídas no calendário litúrgico universal. Mas é, antes de tudo, uma ocasião propícia para renovarmos a nossa profissão de fé que proclama: “Creio na comunhão dos Santos”. Com isso não estamos apenas lembrando que a Igreja tem alguns santos e santas, ainda que sejam uma multidão incomensurável, mas reafirmamos a verdade fundamental da vocação do povo de Deus: a santidade. Há 50 anos, o Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática sobre a Igreja (Lumen Gentium) recordou-nos de forma muito lúcida aquilo que cremos ser a Igreja-povo de Deus: “Indefectivelmente santa” (LG 39). A santidade da Igreja não provém dos “méritos dos seus membros, mas é a ação da graça de Deus que, pelo batismo, torna-os seus filhos e participantes da natureza divina, e por isso mesmo verdadeiramente santos” (LG 40). A Santidade “é o grande presente de amor que o Pai nos deu” (2ª leitura). Ser santo não é primeiramente ser perfeito, mas fundamentalmente ser de Deus. É uma condição que nos foi dada pelo próprio Deus, por pura e livre inciativa sua, que nos amou por primeiro. Portanto, não é uma opção presunçosa de nossa parte de busca de perfeição. Porém, cabe aos seres humanos, à medida que despertam para essa consciência de terem sido criados à imagem e semelhança do Deus Santo, “com ajuda de Deus, conservar e aperfeiçoar na sua vida a santidade que receberam” (LG 40). Diante dessa condição, a única opção que o ser humano “pode” fazer é justamente renunciá-la, não ser santo. Não aceitando ser de Deus, torna-se posse de si mesmo, fechando-se absolutamente no seu narcisismo perfeccionista, e por conseguinte destruindo-se no seu ensimesmamento. É uma separação que cria afastamento, diversamente da separação realizada por Deus que cria relação. A obra da criação de Deus é essencialmente santificação, pois sendo Santo não pode fazer outra coisa senão santificar. Na narração da criação, a ação criadora de Deus é caracterizada por um separar (luz das trevas, as águas de cima e de baixo etc. – Gn 1). E à medida que vai criando, vai dando-lhes nome, isto é, criando com identidade. O próprio ser humano ganha identidade quando é separado (sexuado). Portanto, Deus nos criou no momento que nos separou para Ele, isto é, fez-nos santos. Porém, quando nos separamos Dele, perdemos essa condição primordial, e consequentemente perdemos a nossa identidade. O pecado nos separa e nos afasta dessa condição original, é a perda da consciência de nossa identidade primordial, com consequências práticas. Portanto, recuperar a tal identidade exige de nós um voltar às fontes, restaurar as relações, o que será possível seguindo aquele que é o Santo dos santos, o filho único do Pai. Assumindo o seu estilo de vida, recuperaremos aquilo que já somos: filhos de Deus, santos. As bem-aventuranças são, ao mesmo tempo, o perfil de quem é santo, pois revela quem é Jesus, e a proposta de vida para quem está disposto a segui-lo, isto é, não renunciar a sua condição original. As 7 primeiras Bem-aventuranças apresentam aquilo que é a realidade primordial de todo ser humano, a sua condição de filhos de Deus, santos (pobre, manso, aflito, faminto-sedento, misericordioso, puro, construtor de paz). E se assumidas realmente, tornam-se garantia de verdadeira felicidade.
Dom André Vital Félix da Silva, SCJBispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CEMestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana