Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
A Solenidade da Santíssima Trindade não é ocasião para fazer tratados teológicos visando explicar a verdade dogmática do Mistério do Deus Uno e Trino, mas é, antes de tudo, a proclamação da verdade do amor de Deus Pai que nos salva em seu Filho Jesus Cristo, conduzindo-nos pelo Espírito Santo à plenitude da vida. A Sagrada Escritura mais do que apresentar conceitos sobre a Trindade (Trindade imanente), narra a dinâmica da salvação operada por Ela na história em favor da humanidade (Trindade econômica). Mais do que falar de Deus em si, do seu mistério inefável, a liturgia nos introduz na experiência do Deus que nos ama, pois é, acima de tudo, contemplação da relação trinitária e das suas maravilhas realizadas por amor às suas criaturas. Se é impossível falar de um amor verdadeiro sem que haja amantes e amados concretos, assim também não se pode conceber um verdadeiro amor se este não for comunhão, e cuja diversidade não se fundamente na unidade. A Trindade testemunha que o autêntico amor não se fecha numa relação entre dois, onde se corre o risco de projeção narcisista, mas é amor entre três, numa circularidade que não permite exclusão injusta, nem dependência viciante, mas comunhão integradora, aberta e infinita.Celebrar esta Solenidade logo após o Pentecostes reforça a convicção de que a História da Salvação, segundo a Revelação, é realizada pelo Pai, através do Filho, no Espírito Santo. Diríamos que, no centro cronológico do ano litúrgico, a Solenidade da Santíssima Trindade é a síntese de toda a narrativa da história salvífica. Nesta festa se explicita a verdade fundamental da nossa fé cristã: “Do Pai pelo Filho no Espírito Santo ao Pai”. O evangelho de hoje narra um trecho do diálogo de Jesus com Nicodemos, um doutor da Lei, membro do sinédrio e importante mestre entre os fariseus, portanto, conhecedor da Lei e da teologia judaica. Certamente esse doutor da Lei saberia dar uma aula sobre Deus, porém revelou-se diante de Jesus incapaz de identificar na vida as provas concretas do amor de Deus: “Se não acreditais quando vos falo das coisas da terra, como acreditareis quando vos falar das coisas do céu?” (Jo 3,12). Contudo, ao aproximar-se de Jesus, manifesta-lhe o desejo de conhecer a Deus de modo mais perfeito, pois reconhece que Jesus veio de Deus e, por isso, tem toda a autoridade para discorrer sobre a realidade do Eterno: “Rabi, sabemos que vens da parte de Deus como um mestre” (Jo 3,2). Certamente esperava que o seu diálogo contemplasse as questões fundamentais da teologia, que fossem apresentados os argumentos mais convincentes fundamentados nas Escrituras Sagradas. Porém, Jesus o surpreende, não parte de doutrinas ortodoxas bem elaboradas, mas lança-lhe um desafio a fim de que ele possa ter um verdadeiro conhecimento de Deus que não alcance apenas a sua compreensão, mas envolva toda a sua existência: “Não te admires de eu te haver dito: ‘Deveis nascer do alto’” (Jo 3,7).A vida nova, que não brota de um conhecimento racional de Deus, é, antes de tudo, fruto da experiência de ser amado por Ele. Só assim será possível conhecer a Deus através do que Ele é para nós e não simplesmente do que Ele é em si: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. Conhecer a Deus não significa apenas admitir que Ele existe ou mesmo dizer quem é Ele, mas só conhece a Deus quem crer Nele, expressão de máxima coerência de quem O ama e é amado por Ele. Nicodemos conhecia as Escrituras que afirmavam que Deus é amor, é misericórdia, é bondade, mas só no encontro com o Verbo Encarnado ele pode conhecer a prova desta verdade. Sem o encontro com Jesus, o enviado do Deus amor, a pessoa humana não passará de um especulador do mistério de Deus. Pois é só diante da cruz do Senhor, da sua entrega, da prova incontestável do seu amor, é o que ser humano saberá quem é Deus, para poder crer Nele e amá-Lo verdadeiramente.Crer em Jesus é crer na vida eterna; pois a vida eterna é uma consequência natural de um amor eterno. Por conseguinte, a fé se torna, ao mesmo tempo, a nossa maneira de amar e de conhecer a Deus. Mais do que uma resposta afetiva ao amor divino, é uma decisão da vontade e da inteligência humanas que leva a uma entrega total a Cristo, aceitando e praticando a sua palavra (cf. Jo 14,1.15.21). Daí que a condenação não é uma decisão arbitrária de Deus: “Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”. O verbo “condenar” no grego (krino) pode ser traduzido também por escolher, decidir, julgar. Em outras palavras, a missão de Jesus não é decidir pela condenação do mundo, mas salvá-lo (grego: sodzo, libertar), ou seja, arrancar das amarras da morte. Se por um lado, não cabe ao Filho decidir a condenação, por outro, a resposta de fé da humanidade, isto é, a sua decisão de acolher o amor eterno, é a condição fundamental para que seja salva. Diante do Mistério da Trindade, verdade que nos envolve e nos transcende, mas que não se impõe nem obriga, a resposta mais coerente do coração e da mente humana é acreditar, adorar e amar. Eis o verdadeiro caminho para conhecer que, do Mistério do Deus Uno-Trino, conta mais amá-Lo e ser amado por Ele do que explicá-Lo e arriscar perdê-Lo.
Dom André Vital Félix da Silva, SCJBispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CEMestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana