Solenidade da Assunção de Nossa Senhora: Lc 1,39-56 - Só Ele faz grandes coisas

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Já no Antigo Testamento encontramos o anúncio profético de que Deus não deixa inacabada a obra que suas mãos iniciaram: “O Senhor fará tudo por mim: o teu amor é para sempre! Não abandones a obra de tuas mãos” (Sl 137,8). O Novo Testamento, pela boca de Maria, testemunha a verdade da realização desse anúncio: “Socorreu Israel ... lembrando-se de sua misericórdia, conforme prometera aos nossos pais...
A Solenidade da Assunção de Nossa Senhora ao céu, mais do que homenagem a Maria, é ação de graças a Deus que faz grandes coisas, pois Santo é o seu nome. Com a ressurreição do Senhor, foi reaberto o caminho de volta ao Paraíso, fechado por causa do pecado de desobediência dos nossos primeiros pais à Palavra de Deus. Se na primeira criação o pecado de Adão e Eva trouxe consequência de morte para toda a humanidade, na nova criação o novo Adão, nascido da nova Eva, com sua morte e ressurreição, abriu-nos o caminho da salvação, vencendo e destruindo a morte (2ª Leitura).
A verdade da Assunção de Maria não se fundamenta no Dogma proclamado por Pio XII em 1950; na verdade, o Dogma é expressão oficial e solene de uma fé professada há séculos, cujo fundamento está na Palavra de Deus expressa nas Escrituras e na Tradição. 
O evangelho de hoje sintetiza muito bem essa verdade: “O Poderoso fez grandes coisas em meu favor”. Reconhecer que Maria está no céu, junto do seu Filho é uma consequência natural para quem acredita no próprio Senhor, pois é Ele que pediu ao Pai: “Pai, quero que onde eu estiver, estejam aqueles que me deste para que vejam a minha glória...” (Jo 17,24). É possível admitir que o Pai ainda não atendeu o pedido do seu Filho? A resposta nos dá o próprio Jesus: “Pai, dou-te graças porque me ouviste. Eu sabia que sempre me ouves...” (Jo 11,42).
Podemos distinguir dois momentos relatados na perícope desta Solenidade: a saudação recíproca das duas mães e o Magnificat que coroa toda a cena. A Igreja, a partir do evangelho, identificou 4 grandes maravilhas que Deus realizou em Maria (os dogmas: Maternidade Divina, Virgindade perpétua, Imaculada Conceição e Assunção ao céu). A relação entre eles é consequente e inseparável: Aquele que a quis como Mãe do seu Filho que é Deus, a escolheu de forma exclusiva tornando-a filha, esposa e mãe puríssima, e não iria deixar inacabada a sua obra, abandonando-a longe de Si.
Na saudação de Isabel, repleta do Espírito Santo, Maria é declarada Mãe do meu Senhor (Deus), e recebida como Arca da Nova Aliança (De onde me vem que me visite? Comparar com 2Sm 6,9); visto que ninguém poderia tocar na antiga arca, muito menos na nova, Maria é intacta, conservando assim perpetuamente a sua virgindade. 
Na primeira leitura (Ap 11,19a) fala-se do aparecimento da Arca da Aliança, sinal de que o momento da realização das promessas de Deus chegou: reunir o seu povo para salvá-lo (2Mac 2,5-8). O novo povo de Deus é a Igreja, da qual Maria é modelo e sinal. 
Ao proclamar no Magnificat as grandes obras do Todo-poderoso, Maria, a humilde serva, profetiza a sua assunção: “Derruba do trono os poderosos e eleva os humildes”. Seria muito pouco pensar que ação de Deus de exaltação dos humildes se restringisse a uma simples inversão de posição. Mas a elevação dos humildes é participação da plenitude da vida. Maria está no céu, porque o céu desceu até ela. O céu não é ingenuamente uma descrição meramente topográfica, mas é a vida em Deus. Desde o momento da sua imaculada concepção ela foi preparada para ser morada do seu Filho ao entrar no mundo. Ao conceber por obra do Espírito Santo, tornou-se escada entre a terra e o céu para que o Verbo armasse a sua tenda e viesse morar entre nós.
Antes mesmo de Maria ir morar no céu, ela já havia sido transformada em morada de Deus na terra. E se Deus, ao vir ao mundo, quis habitar primeiro nela, como não a levaria para habitar com Ele no céu completando absolutamente a sua obra?



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana