Santíssima Trindade: Jo 16,12-15 - Do Pai pelo Filho no Espírito Santo ao Pai

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A Festa de Pentecostes anuncia que toda a obra de Deus no tempo e na história alcançou a sua realização, Mistério realizado pelo Pai através do seu Filho, no Espírito Santo. A Solenidade da Santíssima Trindade, no domingo seguinte a Pentecostes, na dinâmica do Ano Litúrgico, torna-se um momento propício para fazer uma retrospectiva de toda a Obra de Deus, que se revelou como Uno (Antigo Testamento) e Trino (Novo Testamento). Mais do que tentarmos uma explicação do Mistério da Trindade, devemos reconhecer a nossa pequenez diante de tão excelsa realidade. Mais do que buscar encaixá-la na nossa cabeça, deixemo-nos conduzir para o Seu coração, onde devemos mergulhar para encontrar a vida em plenitude. 
A distinção didática das Pessoas Divinas não nos permite separá-las, nem muito menos torná-las uma equipe que se divide para realizar diferentes tarefas. Atribuir a obra da criação somente ao Pai, e a obra da redenção somente ao Filho e, por sua vez, pensar que o Espírito Santo é um personagem que entra em cena apenas para dar acabamento a obras de outros, é cair no erro de pensar Deus segundo os nossos esquemas lineares e perder a oportunidade de participar da vida de Deus que é eterna comunhão e perene movimento de amor.
A Revelação cristã, cujas raízes se encontram na experiência de fé do Povo de Israel, depositário de uma fé histórica, alimentada pela experiência de encontro com o Deus que, mesmo sendo Todo-poderoso e Eterno, ouve o clamor do seu povo e desce para libertá-lo, nos apresenta a grande novidade: Deus é comunhão transbordante, isto é, não é uma realidade de pura transcendência incomunicável nos céus, nem uma simplória imanência panteísta, sem identidade e diluída na terra. 
Reconhecer que Deus é Trindade é reafirmar que essencialmente somos trinitários. Contudo, isto não significa que O fazemos nossa imagem e semelhança, projetando Nele o que percebemos sermos nós, mas descobrimos que se somos trinitários é porque Ele nos fez à sua imagem e semelhança. Pensar a nossa origem prescindindo dessa verdade incontestável, isto é, de que somos um porque somos comunhão de três, é admitir o absurdo e cair no vazio. Começamos a existir como ser humano porque dois humanos se uniram e, portanto, não são mais dois, mas três. Destarte, na origem de cada um, revela-se uma relação trinitária. Cada um de nós é indivíduo (um não dividido), mas também somos pessoas (capazes de relação). Reconhecer e crer na Santíssima Trindade é testemunhar a verdade mais íntima e irrenunciável do ser humano. 
Uma das experiências mais marcantes na vida do ser humano é a sua capacidade irresistível de autocomunicação, pois aí ele afirma a sua identidade, e cura-se da sua tendência egocêntrica, que destrói o seu ser pessoa. A liturgia, sobretudo a escuta da Palavra, nos conduz à experiência do encontro com o Deus vivo que se autocomunica, isto é, não apenas nos informa sobre Si, mas nos conforma a Si. Neste Ano C, contemplamos o Mistério Trinitário que se revela aos homens a fim de que alcancem a verdade: Deus comunica a sua própria vida. Tal revelação trinitária é única, por isso tudo aquilo que o Espírito da verdade comunica, recebeu do Filho e pertence ao Pai.
Contudo, tal revelação do Eterno se dá no tempo, respeitando as suas condições e limites, por isso Jesus afirma: “Tenho ainda muito a vos dizer, mas não podeis agora compreender”. O fato de os discípulos não terem a capacidade atual de compreender o que Jesus tem a dizer não significa que foram privados da revelação ou que a ignorância humana será o eterno empecilho de conhecer a Deus. Se Deus não cabe na cabeça do ser humano, Ele alarga o coração do homem que acolhe a presença do Espírito Santo para aí habitar: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade plena”.  A verdade não é conhecimento teórico da realidade, uma especulação de como as coisas funcionam, mas a verdade revela-se no encontro com uma Pessoa: “Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará”. Aquilo que é de Jesus é aquilo que Ele mesmo é: a vida. No início do seu evangelho, João já havia antecipado: “Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens” (Jo 1,4). E esta vida é o dom do Pai dado através do Filho: “Ora, a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o Deus único verdadeiro e aquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3). O Espírito Santo atualiza esta verdade em nossos corações e socorre a nossa fraqueza para que acreditemos nela.
Celebrar a Santíssima Trindade é reconhecer que não é suficiente apenas compreendê-La, isto é, ter argumentos para afirmar a sua existência, mas é necessário acima de tudo amá-La, ou seja, estabelecer com Ela relação, a fim de que a vida que Dela promana não se encerre, mas alcance plenitude. 
Reconhecer no Deus Uno e Trino a fonte e a origem da nossa vida é testemunhar que o primeiro e fundamental momento da nossa vida não nos garantiu uma compreensão de que estávamos começando a existir, mas nos proporcionou a experiência de estarmos sendo amados e acolhidos ou rejeitados e excluídos, experiência que marcará toda a nossa existência. Na experiência da Revelação cristã, na relação com Deus, só existe uma possibilidade: o amor que acolhe, pois foi o mesmo que gerou. 
A comunhão da Trindade não é apenas a razão e o ícone para a nossa existência na terra, mas é a realidade em esperança da nossa vida no céu, hoje escondida na eternidade, assim como Ela mesma está escondida no mistério que a envolve. Escondida não para permanecer desconhecida, e ignorada, mas para ser buscada num eterno movimento de amor. Quem ama não desiste de buscar, pois crê que o Amado que se deixa conhecer, se deixa também encontrar, como afirma Santo Agostinho: “Não me prives de ter o que amo, pois tu me deste a capacidade de amar”.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana