IV Domingo da Páscoa: Jo 10,1-10 - O Bom Pastor: a Porta para vida

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Neste IV Domingo da Páscoa, Domingo do Bom Pastor e Dia Mundial de oração pelas vocações, a Comunidade do Ressuscitado é chamada a tomar consciência de ser rebanho de Deus, do qual o próprio Senhor, ao morrer e ressuscitar, se tornou o pastor e guarda de suas vidas (2ª Leitura). Diante das várias imagens e comparações que encontramos na Sagrada Escritura para falar do relacionamento entre Deus e o seu povo, sem dúvida a do pastor é a mais conhecida e a mais eloquente, pois não apresenta conceitos teóricos sobre Deus, mas evoca de modo concreto, no horizonte vivencial, as relações de proximidade e a experiência amorosa de quem está empenhado com a vida do amado; o verdadeiro pastor não tem reservas diante das necessidades de suas ovelhas, mas coloca-se totalmente à sua disposição “a fim de que elas tenham vida, e a tenham em plenitude”. 
O verdadeiro pastor se diferencia do mercenário porque entre ele e as suas ovelhas há uma relação racional-afetiva, não as considera uma quantidade, mas estabelece um relacionamento a ponto de “chamar a cada uma pelo nome”, pois não se limita a cumprir apenas tarefas e responsabilidades frente ao rebanho a ele confiado; o seu objetivo não é simplesmente garantir um salário, mas dar a sua vida pelo bem das ovelhas. Em síntese, o cuidado do pastor para com a vida das suas ovelhas diz respeito, à segurança e à subsistência do rebanho (proteção e alimentação). A imagem do aprisco, para onde as ovelhas são levadas, representa a proteção a elas garantida; e fazê-las entrar e sair do aprisco indica a solicitude do pastor em conduzi-las para os pastos onde encontram comida, e para as torrentes de água onde matam a sede (Sl 22).
Jesus declarando-se o verdadeiro Pastor, cumprindo plenamente as promessas do Antigo Testamento (Ez 34; Jr 3,15), introduz um elemento inédito no seu ensinamento: “Eu sou a porta”. Por três vezes faz referência a esta palavra para denunciar os falsos pastores e estabelecer o critério seguro para discernir quem é ladrão e assaltante, cuja finalidade é apenas “roubar, matar e destruir”. Para compreender com profundidade o motivo de Jesus ter se declarado “a porta das ovelhas”, é preciso recordar o episódio relatado por São João em uma das idas de Jesus a Jerusalém por ocasião de uma festa dos judeus (Jo 5,1s). Das doze portas da cidade de Jerusalém, uma se chamava “a porta das ovelhas” (Probatikê: ovelheira; Ne 3,1.32; 12,39; Ap 21,12). Essa porta era assim chamada porque por ela passavam as ovelhas que iriam ser sacrificadas no Templo. Portanto, dizer “a porta das ovelhas” era a mesma coisa que “a porta para a morte”. Lá Jesus encontrou uma multidão de doentes (cegos, coxos e paralíticos), são as ovelhas abandonadas à morte pelas autoridades, por aqueles que deveriam ser os seus primeiros defensores, mas que somente exploram as ovelhas e as oprimem com o peso das suas interpretações deformadas da Lei. 
Jesus ao curar o paralítico junto à porta das ovelhas anuncia o novo êxodo, fazendo-o caminhar não mais para a porta da morte, mas conduzindo-o à páscoa da libertação das amarras dos falsos pastores. Contudo, foi preciso que o paralítico obedecesse a voz de Jesus, tornando-se assim uma de suas ovelhas, isto é, “daquelas que ouvem a sua voz...E o seguem porque conhecem a sua voz”. Ademais, ao declarar: “Quem entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem”, Jesus muda completamente o significado da expressão “porta das ovelhas”, até então compreendida como caminho para morte. As ovelhas agora libertadas são conduzidas para a vida, cujo alimento é o próprio Jesus, o pão descido do céu (Jo 6). Essa pastagem que as ovelhas encontram quando seguem o verdadeiro pastor as fortalece no caminho, dando-lhes força para fugir dos estranhos, que, por sua vez, não desistem de suas investidas contra o rebanho. São “os ladrões e assaltantes”; aparentemente são termos sinônimos (grego: kleptes e lestes), porém, considerados nos seus respectivos contextos semânticos, indicam estratégias diferentes do agir do falso pastor. No evangelho de João, esses termos são aplicados a dois personagens diferentes e emblemáticos: ao discípulo Judas Iscariotes (Jo 12,6: kleptes, ladrão) e ao revolucionário Barrabás (Jo 18,40: lestes, bandido). Com esses dois apelativos, Jesus ensina e adverte que os falsos pastores podem atacar o rebanho tanto vindo de fora, com violência, como faz o bandido, como também, de modo sutil, silencioso, sorrateiro, do meio do rebanho, como faz aquele que furta.
Como não são pastores, “sobem por outro lado”, isto é, para não serem barrados evitam passar pela porta, pois é ali que serão reconhecidos pelo porteiro, que consequentemente os impedirá de entrar e atacar o rebanho. Ainda que consigam entrar de modo ilegal, por serem estranhos, não serão seguidos pelas ovelhas. Sendo ladrões e assaltantes, não conhecem as ovelhas, e portanto não podem chamá-las pelo nome. Dessa forma, só há um modo de dominá-las: pela violência, o que pode levá-las inclusive à morte. 
Celebrar a Páscoa do Senhor é despertar a consciência do rebanho frente aos ladrões e assaltantes que procuram destruir a vida das ovelhas. Não basta apenas dizer que Jesus é o Bom Pastor, é preciso reconhecer os falsos pastores para que a vida conquistada por Ele não seja roubada e destruída. São inúmeras investidas para dispersar as ovelhas e conduzi-las à morte. Destarte, urge renovar a experiência com o Senhor Ressuscitado, através da escuta atenta da sua palavra, para não se deixar confundir por outras vozes; seguindo os seus passos, para não se deixar arrastar por mercenários que conduzem à morte.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana