II Domingo do Advento: Mt 3,1-12 - Pedras, convertei-vos em filhos de Deus!!!

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Neste Segundo Domingo do Advento, continuando a nossa caminhada de preparação, a liturgia nos apresenta a figura de João Batista como grande apelo de conversão, sublinhando o seu contundente anúncio profético: “Convertei-vos... Preparai os caminhos do Senhor... Filhotes de víboras, produzi frutos que provem a vossa conversão”, e o seu estilo austero de vida: “vestido de roupa de pelos de camelo e um cinturão de couro... Comia gafanhotos e mel do campo”. 
Apesar de “possuir tonalidades diferentes do tempo da Quaresma, o espírito de conversão é também característica do Advento, pois não existe vivência autêntica de esperança e de alegria sem retornar ao Senhor de todo o coração, na expectativa da sua volta, ou seja, não é possível viver a expectativa, a esperança e a alegria pela vinda do Senhor, sem uma profunda conversão” (cf. Cristo, Festa da Igreja, A. Bergamini, 191-192).
Mesmo reconhecendo a superioridade de Jesus e da sua missão: “Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu”, João Batista faz um anúncio idêntico ao de Jesus: “Convertei-vos porque o Reino dos Céus está próximo” (Mt 3,2; 4,17). Se para o Antigo Testamento a conversão era expressa pela decisão de voltar para Deus (hebraico: shuv, retornar, voltar, converter-se, Dt 30,2), no Novo Testamento o conceito de conversão dá um passo a mais, isto é, não é possível perseverar na opção por um caminho de retorno para o Senhor se não há uma mudança de mentalidade (grego: metanoia, mudança interior que dá consistência a novas atitudes). Não basta apenas mudar a direção externa, é preciso ter motivações internas para fazê-lo com convicção. O fato de muitos fariseus e saduceus irem até João era um sinal concreto de que é possível, numa circunstância pontual, pessoas agirem aparentemente como convertidas, com atos isolados de boa vontade, solidariedade, caridade, penitência, mas que não são capazes de mudá-las interiormente; são ótimas personagens de teatro, mas tirando a máscara, revelam a sua postura fundamental de fechamento à mudança, a uma verdadeira conversão que exige reconhecimento do pecado, da sua situação atual a partir da qual se iniciará um longo caminho de crescimento a ser feito com paciência e fé, humildade e perseverança.
É muito comum nesse tempo de Natal algumas pessoas se empenharem em angariar alimentos, roupas, brinquedos, agasalhos e mantimentos para destinar a pessoas necessitadas. Motivadas e comovidas pelo caráter extraordinário do momento, não medem esforços e sacríficos para o bom êxito de suas campanhas. Sensibilizando vizinhos, amigos, parentes, de longe e de perto, tornam-se verdadeiros paladinos da solidariedade, que terão a sua recompensa garantida quando os seus assistidos lhes manifestarem gratidão e reconhecimento, mesmo que constrangidos e humilhados por serem “convidados” ao palco para a entrega dos donativos. Porém, passando o encantamento da vaidade mascarada de espírito solidário e caritativo, esses benfeitores sazonais voltam a reassumir a postura de sempre: a indiferença e descompromisso com os mesmos pobres e necessitados que, mesmo depois de um natal farto, continuarão pobres e necessitados.
O Precursor desmascara essa “conversão” artificial; mesmo voltando-se para o profeta enviado por Deus, os fariseus e saduceus não davam provas de que tinham mudado de mentalidade assumindo um modo mais coerente de compreender a Palavra de Deus e de se relacionar com os demais. 
João Batista nos apresenta um itinerário pedagógico que pode sinalizar o nosso processo de conversão. Em primeiro lugar, o anúncio não é ameaça, mas convite: “Convertei-vos”, é a convocação para uma mudança de modo de conduzir a vida, não mais por aparências e seguranças artificiais: “Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é nosso pai’”, mas pelos valores do evangelho: “Produzi frutos que provem a vossa conversão” (justiça, solidariedade, misericórdia, fé, perdão etc.). Ao convidar o povo a mudar de rumo, de direção, o profeta João dá a razão para isso: “O Reino dos Céus está próximo”. Porque se realiza a partir de uma lógica diferente, é preciso mudar de postura para poder enxergá-lo próximo, reconhecer os sinais de sua presença. No rito simbólico do mergulhar e sair das águas, o povo era desafiado a iniciar uma experiência de morte e vida nova, confessando os pecados, a fim de que a vida se torne uma árvore que dê frutos. Voltar-se para acolher o Reino dos Céus é a razão mais convincente para mudar de vida. 
Ao longo do evangelho se confirmará que muitos dos fariseus e saduceus não se arrependeram, apesar de terem ido procurar o batismo de penitência. Pois este era apenas um sinal provisório, um convite a acolher o definitivo do Reino trazido por “Aquele que batiza com Espírito Santo e com fogo”. Não apenas João chama os fariseus e saduceus de “Filhotes de víboras” (grego: gennemata echidnon), mas o próprio Jesus também denuncia a hipocrisia deles com este apelativo (Mt 12,34; 23,33). No simbolismo da víbora encontramos uma referência ao veneno da hipocrisia, que se manifesta sobretudo no fazer de conta que não são pecadores, de que não necessitam de conversão. Hipocrisia revestida de piedade estéril: “Destas pedras Deus pode fazer levantar filhos a Abraão” (no hebraico se pode fazer um jogo sonoro das palavras: filhos –banim, e pedras-‘abanim). Portanto, não é um título que conta, nem os privilégios de raça que garantem a participação no Reino dos Céus, mas o compromisso com a sua implantação: “Buscai o Reino dos Céus e a sua justiça e tudo vos será dado em acréscimo” (Mt 6,33). Tornar-se filho de Deus é um dom que só pode ser recebido quando se acolhe o Reino que se faz próximo e presente Naquele que soprará o seu Espírito para limpar o seu povo, chamado a voltar-se para Ele, convertendo-se permanentemente.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana