I Domingo do Advento: Mt 24,37-44

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Neste tempo santo do Advento a Igreja reza: “Revestido da nossa fragilidade, Ele veio a primeira vez para realizar seu eterno plano de amor e abrir-nos o caminho da salvação. Revestido de sua glória, Ele virá uma segunda vez para conceder-nos em plenitude os bens prometidos que hoje, vigilantes, esperamos” (Prefácio Advento I). Nestas palavras, encontramos a síntese completa da teologia e espiritualidade do Advento; é tempo de preparação para fazer memória da primeira vinda de Cristo (advento natalino), mas também é celebração vigilante e jubilosa que proclama a sua vinda definitiva na glória (advento escatológico). Porém, não há um hiato entre a primeira e a segunda vindas de Jesus, pois Ele não é um simples personagem da nossa lembrança, nem muito menos um ausente aguardado com ansiedade. Por isso, também rezamos: “Agora e em todos os tempos, Ele vem ao nosso encontro, presente em cada pessoa humana, para que o acolhamos na fé e o testemunhemos na caridade, enquanto esperamos a feliz realização do seu Reino” (Prefácio Advento I/A).

Neste I Domingo do Advento, a liturgia nos indica qual deve ser a atitude mais coerente e profícua para vivenciarmos bem este tempo de preparação: “Vigiai, porque não sabeis em que dia virá o Senhor”. A vigilância na Sagrada Escritura é a atitude de quem está atento aos acontecimentos da vida, sabe ler neles os apelos de Deus e está em permanente estado de espera, por isso, é capaz de reconhecer que o Senhor vem constantemente, independe das diversas maneiras de Ele se fazer presente. Por conseguinte, esperar não significa acomodar-se; esperar pelo Senhor não deve ser um pretexto para cruzar os braços. Destarte, o sinal seguro de vigilância é uma atitude operante: “Dois homens estarão trabalhando no campo ... Duas mulheres estarão moendo no moinho”. Contudo, não há um lugar especial e exclusivo, nem uma atividade particular e específica que garantem a autêntica vigilância ou a adequada preparação para o encontro com o Senhor. A diferença está na atitude interior de atenção que leva a discernir a sua presença.

Jesus ilustra o seu ensinamento sobre a vigilância evocando a figura de Noé, o último patriarca antes do dilúvio, símbolo do homem justo porque está atento à voz de Deus, diferente da sociedade do seu tempo desatenta, dissoluta e alienada diante de suas opções. Noé é visto também na Sagrada Escritura como instrumento de Deus para salvar a humanidade e, ao mesmo, é figura do novo começo, da criação restabelecida. O seu próprio nome (hebraico, Noah) tem conotação de descanso, consolação e salvação (de nuah, nâham: Gn 5,29), por isso ele está entre os vários tipos transitórios do Antigo Testamento que anunciam o definitivo, isto é, o Messias. 
Assim como Noé passou 40 dias dentro da arca a fim de que a criação fosse salva e renovada, Jesus fez o seu tempo de preparação durante os 40 dias no deserto, precedido pelo seu batismo, símbolo do novo dilúvio e realização do novo êxodo, a partir do qual Deus refaz toda a sua criação no seu Filho amado (cf. 1Pd 3,20). Assim como Noé foi chamado para estabelecer com Javé uma aliança, garantia de que Deus não destruiria mais a terra, com Jesus, Deus estabeleceu a nova e eterna aliança, através da sua cruz, constituída a nova e definitiva arca da salvação (cf. Ef 2,16).  Assim como Noé, depois da purificação da humanidade com o dilúvio, plantou a vinha a fim de alegrar, com os seus frutos, o coração humano (Gn 9,20), o novo Noé declara-se a videira verdadeira, que dá frutos não apenas para a alegria passageira do ser humano, mas dá a verdadeira vida aos que nela forem enxertados (cf. Jo 15,1s).  
A cegueira do ser humano dos tempos de Noé, de Jesus e de hoje continua a mesma: enxerga muito pouco da vida, pois limita-se apenas, na maioria dos casos, ao que come ou bebe (vida puramente animal), ou mesmo aos seus projetos temporais (casar-se e dar-se em casamento). Vigiar significa reconhecer que a vida é chamada à plenitude que ultrapassa os limites da existência terrena; vigiar é reconhecer que palmilhar essa estrada rumo à plenitude é deixar-se guiar por Aquele que, sendo Deus, se fez homem e, por isso, se faz caminho seguro, pois é presença constante, é o Emanuel, o Deus conosco cuja primeira vinda celebramos com gratidão e cuja vinda definitiva aguardamos com esperança e alegria. Porém, Ele espera de nós que estejamos sempre vigilantes para o acolhermos a cada momento, em cada semelhante. Advento é tempo pedagógico para fazer esse caminho!!!



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana