Festa do Batismo do Senhor: Mt 3,13-17 - Batismo: o mergulho eficaz

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A Festa do Batismo do Senhor, concluindo o ciclo epifânico do Natal, é ao mesmo tempo porta de entrada para o Tempo Comum. Tempo Comum é sumamente rico do ponto de vista didático e mistagógico, pois nos conduz, a partir da leitura continuada dos evangelhos (ciclo dominical e ferial), ao conhecimento mais aprofundado da pessoa de Jesus. Portanto, esse tempo não pode ser concebido nem vivenciado como algo sem muita importância (“comum”), pois sem ele a densidade teológica do Advento-Natal e a vivência desafiadora da Quaresma-Páscoa se perderiam. Estes seriam apenas momentos isolados, parênteses inseridos artificialmente no horizonte litúrgico que, por sua vez, não serviriam senão de entretenimento diante da monotonia do ritmo ordinário-comum.
No esquema original da pregação (kerigma) dos Apóstolos, o batismo de Jesus é o primeiro acontecimento a ser evocado: “Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo pregado por João” (2ª Leitura). Por isso, é apresentado como o início de sua vida pública, de sua missão como ungido (Cristo) de Deus e Salvador da humanidade. Cada evangelista, de acordo com a sua respectiva intenção teológica, sublinha aspectos diferentes deste acontecimento, o que não significa que incorram em contradição. Marcos, de forma sucinta e direta, mostra que com Jesus a obra de Deus é recriada; reabre-se o paraíso e toda criação é reconciliada: “Vivia entre as feras e os anjos o serviam” (Mc 1,13).
A novidade de Lucas é a afirmação de que no momento em que “Jesus foi batizado, Ele achava-se em oração”. Um tema presente em toda a literatura lucana (Evangelho e Atos). Jesus é o Filho orante, pois esta é a experiência que mais revela e fortalece a sua comunhão com o Pai. O evangelho de Mateus (ano A), por sua vez, através do diálogo entre Jesus e o Batista, evidencia que o Cristo é aquele que cumpre toda a justiça: “Deixa estar por enquanto, pois assim nos convém cumprir toda a justiça. E João consentiu” (Mt 3,15). A tentativa de João de “protestar” (grego: diekolyev, impedir) evidencia que ele tinha consciência de que Jesus não tinha necessidade de ser batizado, uma vez não tendo pecado, e, portanto, não devia se converter. Porém, entre João Batista e Jesus não há apenas uma relação de continuidade (precursor X messias), mas também uma qualitativa descontinuidade (“Eu vos batizo com água... Ele vos batizará com o Espírito Santo”, Mt 3,11). Em base a esta descontinuidade podemos perceber uma evolução teológica e de significado do batismo de João Batista, o batismo de Jesus e o batismo cristão. João Batista batiza para preparar a chegada do Messias; o povo que vem se batizar é chamado a entrar na dinâmica do arrependimento a fim de apressar a chegada do enviado de Deus. Uma vez que o Messias chegou, cumpriu-se a justiça como prática do precursor; ele encerra propriamente a sua missão. Porém, deve batizar o Messias cujo batismo não tem mais o significado anterior. Jesus não se batiza para apressar a vinda do Messias, nem muito menos para receber o perdão dos pecados.
O batismo de Jesus é a proclamação pública de que ele é verdadeiramente o anunciado das promessas messiânicas veterotestamentárias, porém, um messias que supera todas as expectativas do seu tempo. Jesus não é apenas um enviado de Deus, um ungido especial, mas ele é o Filho amado do Pai. Portanto, a cena do batismo de Jesus na pena de Mateus, introduzida por uma tensão entre precursor e o Messias, descortina os grandes temas tratados ao longo do seu evangelho. Jesus é o filho amado do Pai que cumpre toda a justiça. Justiça que supera a justiça dos escribas e fariseus (cf. Mt 5,20). Pois, para além do cumprimento de leis, a justiça de Jesus é a do Reino de Deus, ou seja, fazer a vontade do Pai. Por isso, Ele é proclamado solenemente como aquele que é amado e no qual o próprio Pai coloca todo o seu agrado. No Batismo de Jesus, se anuncia a nova criação apresentada simbolicamente à luz da primeira criação (Gn 1). Como no início de tudo, havia o cenário das águas, agora Jesus irrompe das águas do Jordão. Se no princípio o Espírito de Deus pairava sobre as águas, agora o mesmo Espírito desce sobre Jesus. A primeira criatura chamada à existência foi a luz, agora na nova criação não aparece um ser criado, mas o primogênito que é o Filho amado do Pai. Pois tudo foi criado por ele, e para ele. 
Por fim, vale salientar que há também uma distinção fundamental entre o batismo cristão, o batismo de João, e o batismo de Jesus. Nenhum desses dois últimos tinha eficácia de tornar o batizado filho de Deus, participantes da nova criação. O rito do batista preparava, mas não realizava, o batismo de Jesus não o fez filho eterno do Pai, pois já o era desde sempre. Contudo, o batismo cristão, o mandato de Jesus após a sua ressurreição, mergulha o batizando na realidade da Trindade (“Batizai em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, Mt 28,19), e faz do batizado um filho amado do Pai.
Celebrar a Festa do Batismo do Senhor, mais do que recordar um acontecimento importante da vida de Jesus, como divisor de águas para a sua missão, nos ajuda a tomar consciência de que o nosso batismo também deve ser vivido na sua qualidade de descontinuidade, ou seja, rompimento com o caos (pecado) e compromisso com a vida nova que nos faz participantes da nova criação, iniciada com o batismo do Filho amado do Pai, no qual somos também filhos seus.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana