Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Este ano a celebração da Festa da Sagrada Família marca a abertura do Ano Santo em todas as dioceses do mundo. Um ano cuja motivação e meta nos indica o Santo Padre, o Papa Francisco: “Devemos manter acesa a chama da esperança que nos foi dada e fazer todo o possível para que cada um recupere a força e a certeza de olhar para o futuro com espírito aberto, coração confiante e mente clarividente. O Jubileu de 2025 poderá favorecer imensamente a recomposição de um clima de esperança e confiança, como sinal de um renovado renascimento do qual todos sentimos a urgência. Por isso o lema: Peregrinos de esperança”.O evangelho providencialmente proclamado nesta festa (Ano C) nos inspira neste início de Ano Jubilar, do qual uma das experiências mais marcantes é justamente a peregrinação. A experiência da peregrinação na Bíblia é uma constante, pois o povo de Deus vai se formando e tomando consciência da sua vocação e missão a partir das suas grandes peregrinações, ainda que sejam marcadas por uma ambiguidade do caminhar, muitas vezes como fuga das situações de morte ou do caminhar como ir ao encontro do Senhor que liberta e salva. A própria experiência celebrada na Festa da Páscoa, cujo tema é evocado nessa passagem do evangelho, é fuga do Egito e peregrinação para o monte da Aliança. Portanto, somos chamados a contemplar a Sagrada Família que peregrina na esperança, assim como fez Abraão e Sara (Gn 12,1), o povo rumo à Terra Prometida (Dt 26,5) e, continua hoje, a Igreja seguindo o seu Senhor que é caminho para o Pai (Jo 14,6). A cena hodierna é a última parte do que podemos considerar a introdução de todo o evangelho de Lucas (1-2: Evangelho da infância), pois apresenta os grandes temas que serão tratados ao longo do evangelho. A perícope inicia contextualizando a cena numa peregrinação da Sagrada Família como uma experiência que lhe era peculiar: “Seus pais iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa”, já que segundo a Lei: “Três vezes ao ano todo varão deve comparecer diante do Senhor” (Festa da Páscoa, Semanas e Tendas: Dt 16,16). Ainda que a cada ano se dirigissem a Jerusalém para cumprir este preceito, esta vez há um motivo particular: “Quando o menino completou doze anos”. Na Tradição dos judeus o menino e a menina quando atingem esta idade (precisamente 12 anos para a menina e 13 para o menino) devem passar pela cerimônia judaica do Bar Mitzvah (filho do mandamento), que marca a passagem de uma criança à vida adulta. A partir dessa idade, o menino assume a sua maioridade religiosa e, consequentemente, passa a ter responsabilidades perante sua comunidade e suas tradições. Antes da festa, por um período que pode chegar a um ano, o garoto estuda a língua hebraica e a Torá. Na cerimônia, ele realiza sua primeira leitura pública de um texto sagrado; daí a admiração de José e Maria quando encontram o seu filho entre os doutores, não apenas lendo, mas interrogando-os. A admiração é também dos doutores da Lei e “todos que o ouviam ficavam extasiados com a sua inteligência e as suas respostas”. O evangelista não diz o conteúdo da discussão; porém, não seria forçoso pensar que o tema da Páscoa estivesse no centro dos debates. Mais adiante, no relato da Transfiguração de Jesus, Lucas é o único a especificar sobre o que o Mestre, Moisés e Elias (representantes da Torá e dos Profetas) conversavam: “Falavam de sua partida (grego: êxodos) que iria se consumar em Jerusalém” (Lc 9,30-31). A Páscoa para Lucas não é simplesmente o memorial da saída do Egito, mas a realização plena da ação libertadora de Deus em favor do seu povo que se dá justamente no final do evangelho quando Jesus realiza a sua Páscoa: “Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco” (Lc 22,15). Confirma o tema da Páscoa a experiência da “perda” de Jesus por três dias; tanto os seus pais quanto a sua comunidade primitiva passam pelas angústias de sua ausência por três dias (2,26; 9,22). Maria e José antecipam esta experiência pascal de morte e vida, de perda e reencontro quando, retornando de Jerusalém, se dão conta que o menino Jesus não está com eles e apenas “Três dias depois o encontraram no Templo”. Assim como a morte e a ressurreição de Jesus se tornam a chave de interpretação de toda a Escritura: “E, começando por Moisés e por todos os profetas, interpretou-lhes em todas as Escrituras o que a Ele dizia respeito” (24,27), a experiência pascal antecipada de José e Maria é momento de revelação da missão do seu Filho: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai?”. Contudo, afirma Lucas: “eles não compreenderam a palavra que Ele lhes dissera”, pois há um longo caminho pela frente a ser percorrido que exige mais do que tentativa de compreensão. É necessário ter atitudes de confiança, obediência (escuta da Palavra) para reconhecer quem é Jesus. Enquanto não se faz o seu caminho até a cruz e ressurreição, estaremos sujeitos a perdê-lo de vista. Ainda que a aflição tome o nosso coração pela constatação de o termos perdido, a decisão de retomar o caminho de busca nos fará perceber que Ele está próximo e caminha conosco, abrindo nossos olhos e aquecendo o nosso coração, a fim de continuarmos a nossa estrada “com grande alegria” (Lc 24,52).A peregrinação de José e Maria não se encerra em Jerusalém quando reencontram o seu Filho, mas agora com Ele continuam para Nazaré, lugar onde Jesus crescerá em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens; este crescimento torna-se o desafio para toda pessoa que se dispõe a fazer essa peregrinação jubilar. A sabedoria como dom do Espírito que nos faz conhecer e discernir a vontade de Deus nos acontecimentos da vida, nos encontros e desencontros, nas perdas e vitórias; crescer em estatura (grego: helikia, idade de vida) não significa apenas desenvolvimento físico, mas crescimento de vida, o que diz São Paulo: “Até que alcancemos... o conhecimento do Filho de Deus, o estado de homem perfeito a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13); e, por fim, crescer em graça, isto é, acolhendo o dom de Deus que nos fortalece na esperança e na certeza da salvação. Que tanto a experiência pascal de Maria e José, como a dos discípulos de Emaús nos convençam de que é possível reencontrar o Senhor enquanto peregrinamos. Essa é a nossa esperança!
Dom André Vital Félix da Silva, SCJBispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CEMestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana