Festa da Apresentação do Senhor Lc 2,22-40 - O menino que sustenta o ancião

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Para quem pensava que o Natal já havia passado há tempo, ou que ainda custaria a chegar, a Festa da Apresentação do Senhor nos recorda que a contemplação da encarnação do Filho eterno do Pai não deve restringir-se apenas a um tempo cronológico-litúrgico. Considerando o ciclo mais amplo das festas natalinas, a festa de hoje é considerada também entre aquelas ditas epifânicas (epifania, batismo...) e, portanto, de algum modo, evoca fortemente a noite santa do Natal do Senhor. Porém, a perspectiva da festa de hoje não significa um retroceder, mas nos aponta na direção da grande vigília da libertação pascal, pois Maria e José, apresentando e consagrando o seu Filho ao Senhor, fazem memória do resgate dos primogênitos do Egito, em obediência à Lei: “Todo primogênito do sexo masculino deve ser consagrado ao Senhor”. Destarte, Natal e Páscoa são realidades intimamente unidas, um único mistério de salvação. 
Para refletirmos sobre o significado da celebração de hoje, podemos identificar nessa longa narrativa 4 momentos distintos, apesar de inseparáveis:
1. Apresentação (2,22-24): segundo a Lei, devia-se consagrar o primogênito dos humanos, mas o primogênito dos animais devia ser sacrificado. Na apresentação de Jesus essas duas realidades se unem, ele é consagrado, mas não é poupado, pois na cruz será sacrificado. A sua consagração a Deus no Templo foi o momento de revelar que depois seria sacrificado no calvário, diferentemente dos filhos de Israel que, uma vez consagrados, eram livres do sacrifício da morte, apesar de serem simbolicamente imolados nas ofertas para o sacrifício (um par de rolas ou dois pombinhos). O fato de serem duas as ofertas corresponde às respectivas finalidades: uma para o holocausto e outra pelo pecado (Lv 18,8). O simbolismo das duas pombinhas (Ex 13; Lv 12), oferta dos pobres que não podiam fazer ofertas maiores (ovelha, touro), na apresentação de Jesus, torna-se anúncio daquilo que terá o seu cumprimento na sua morte, alcançando assim as duas finalidades: entrega absoluta ao Pai (como holocausto: todo queimado, ideia de sacrifício total) e reconciliação da humanidade (perdão dos pecados).
2. Revelação de Simeão (2,25-35): podemos dizer que este é o centro da perícope. Depois de Jesus ter sido oferecido ao Pai, temos a resposta do Pai que pela presença do seu Espírito: “O Espírito Santo estava com ele (Simeão)... movido pelo Espírito, Simeão veio ao Templo”, faz o ancião profetizar, anunciando que o antigo Israel, que esperava o cumprimento das promessas, agora pode descansar em paz. Toda a história de espera (simbolizada em Simeão) não foi em vão, pois viu a salvação chegar. Simeão não aguarda a chegada do Messias para satisfazer a sua curiosidade ou para ter a satisfação de ter convivido com Ele, mas anunciando a sua própria morte: “Podes, Senhor, agora deixar partir em paz”, proclama que aquele menino não é só a glória do seu povo israelita, mas o princípio de luz e salvação para todos os povos. A profundidade das palavras de Simeão revela uma história de dor e de luta, resistindo, manteve-se vivo sustentado na promessa de Deus. Ao tomar Jesus nos braços, proclama que era aquele menino que o sustentava na esperança. As palavras de Simeão a Maria reforçam a ideia de que não há verdadeiro Natal se não nos dirigimos para a Páscoa. E que o menino da manjedoura colocado agora nos seus braços será o homem das dores pregado na cruz. E que a sua mãe não foi apenas a jovem donzela que deu à luz uma criança, mas a mulher forte e corajosa que se manterá fiel até o fim, inclusive aos pés da cruz. E que a lança do soldado traspassando o lado do filho crucificado também traspassará a alma da Mãe sempre presente.
3. Testemunho de Ana (2,36-38): A presença de uma mulher de idade avançada nesse momento no Templo evoca também toda a história do Antigo Testamento de espera pela realização das promessas de Deus. Muito significativo Lucas lembrar que ela era filha de Fanuel, que significa “face de Deus” (Gn 32,30-31), isto é, Ana se torna testemunha de que toda a espera do seu povo valeu a pena, pois viu a face de Deus naquele menino. Seus jejuns e orações serviram de preparação para esse momento.
4. Volta a Nazaré (2,39-40): Depois de narrar tantos fatos surpreendentes, Lucas conclui com uma nota de que a vida continua na ordinária cotidianidade. De fato, o verbo eterno assumiu a nossa condição humana, como dizia Orígines: “A palavra se abreviou”, e Bento XVI: “para caber na manjedoura” (Verbum Domini n. 12), a fim de assumir tudo aquilo que é humano, sem deixar de ser Deus.   
Portanto, a festa de hoje é rica em significados cristológicos. Evoca os momentos fundamentais da História da Salvação, desde o advento histórico (AT) até chegar na sua realização plena no Mistério Pascal. Assim como Maria e José, contemplemos esse mistério, conservando-o em nossa mente e em nosso coração, para um dia podermos dizer como Simeão: “Podes deixar teu servo partir em paz”. Mas enquanto isso, façamos como Ana: “Louvar a Deus e falar do menino a todos que esperam a libertação...



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana