Epifania do Senhor - Mt 2,1-12: A estrela que ainda teima em brilhar

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Se o Natal celebra o ponto mais alto da encarnação de Cristo no seio do seu povo, a Epifania é a solene proclamação de que a sua missão salvífica é universal, pois a vinda dos Magos do Oriente à procura do rei recém-nascido representa a realização plena do anúncio da boa notícia de que todos os povos são chamados à salvação. A perícope do evangelho da festa de hoje, na intenção de Mateus, não é apenas uma descrição de uma visita de sábios que, vindos de longe, se deixam guiar misteriosamente por uma estrela. Não tem como intenção inspirar uma fantasia pueril, mas apresentar uma síntese introdutória de todo o seu evangelho. Portanto, é preciso ler Mateus à luz da Epifania, e é preciso compreender a Epifania na perspectiva de todo o evangelho de Mateus. 
Nascido em Belém”:  assim como o pastor Davi, símbolo ideal do rei messiânico, Jesus é o rei que se faz pastor do seu povo. Diferentemente do rei Herodes, tirano e despótico, o recém-nascido guiará o seu povo como um pastor que diante de um sistema que despreza, abandona e conduz o povo para a morte, é capaz de dar a vida, uma vez que “levou nossas enfermidades e carregou nossas doenças” (Mt 8,17). Este novo Davi não trairá a sua missão, pois “ao ver a multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36). Ele é o verdadeiro filho de Davi pois é capaz de restituir a vista aos cegos (Mt 9,27), a fim de que eles possam enxergar o caminho e realizem o verdadeiro êxodo de libertação.
Onde está o rei dos Judeus?” Os magos pensavam que estivesse no palácio real, que fosse filho de Herodes, mas o evangelista responde que o verdadeiro rei dos judeus é aquele que não tiraniza nem oprime (Mt 20,25); é um rei que vem “humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de animal de carga” (Mt 21,5). Diante da sua realeza dissonante com aquela dos reinos deste mundo, sofrerá a indiferença e o desdém, pois ela não será reconhecida pelas autoridades. Assim como Herodes que não acreditou e por isso, ironizou: “Ide... E ao encontrá-lo, avisai-me, para que também eu vá homenageá-lo”, também na iminência de sua morte, o Rei Messias sofrerá o escárnio e a ridicularização: “E, ajoelhando-se diante dele, diziam-lhe, caçoando: ‘Salve, rei dos judeus’” (Mt 27,29). Contudo, nada poderá destruir-lhe a realeza, pois dará a sua vida e reinará da cruz: “E colocaram acima de sua cabeça: ‘Este é Jesus, o Rei dos judeus’” (Mt 27,37). Os autênticos sábios, guiados pela razão e pela fé, perscrutam os fatos para reconhecer onde se encontra a verdade. E, por isso, abandonam a casa do tirano e retomam o caminho. 
Vimos sua estrela no seu surgir”. Nas culturas antigas as estrelas representam personagens importantes. São como reflexos no céu daquilo que na terra se faz de importante (o bem). Jesus mais adiante dirá que “os justos resplandecerão como sol” (Mt 13,43). Contudo, o justo para Mateus é aquele que faz a vontade de Deus. Justiça que excede o simples cumprimento da Lei, pois é obediência à Palavra de Deus que é, antes de tudo, aprender a misericórdia: “Quero misericórdia e não sacrifício” (Mt 9,13). Todas as vezes que abandona-se o caminho da justiça, afasta-se da luz. Portanto, não se percebe mais o brilho da estrela-guia. Contudo, é a Palavra, por sua vez, que ajuda a retomar a direção correta. Os Magos foram orientados pela Palavra que os escribas lhes disseram “pois foi escrito pelo profeta”. E apesar de se encontrarem em situação desconfortável por estarem no lugar errado, foram capazes de não desistir da busca. O fato de não terem encontrado ali no palácio real o rei dos judeus recém-nascido não foi suficiente para convencê-los de que ele não tinha nascido.
Revendo a estrela, alegraram-se imensamente”. Isto só foi possível porque tomaram a decisão de obedecer a Palavra. Apesar das ambiguidades das palavras do rei Herodes, compreenderam que as imperfeições humanas não invalidam a Palavra de Deus, pois é Ele mesmo que afirma: “Passarão céus e terra. Minhas palavras, porém, não passarão” (Mt 24,35). O tema da alegria em Mateus está estreitamente relacionado a situações de dificuldades, sofrimento e morte: “Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5,11-12). O rei Herodes será perseguidor do menino e naturalmente de todo aquele que o reconhecer rei. Portanto, os magos antecipam aqueles aos quais Jesus chamará de bem-aventurados, pois “viram o que muitos quiserem ver, e ouviram o que muitos desejaram ouvir” (Mt 13,16-17). A alegria dos Magos ao verem a estrela, que mesmo não sendo vista por um momento, não deixou de brilhar, chega ao máximo quando veem o menino que buscavam. Antecipa-se, assim, a experiência da comunidade que, por um momento havia perdido de vista o Senhor, agora o reencontra ressuscitado e escuta Dele mesmo o imperativo convite: “Alegrai-vos” (Mt 28,9).
Prostrando-se, o homenagearam... Abriram seus cofres, oferecendo-lhe presentes: ouro, incenso e mirra”. O longo caminho iniciado no Oriente chega ao seu clímax: encontrar o rei dos judeus, o recém-nascido, a fim de homenageá-lo. Um encontro que anuncia o grande desejo de Deus para a humanidade: encontrar-se com o Salvador, Aquele que convida a vir até Ele a fim de “encontrar descanso e repouso” (Mt 11,29). Pois Ele é o verdadeiro Deus a quem oferecemos o incenso da adoração, só Ele é o rei da verdade a quem ofertamos o nosso ouro da obediência, mas Ele, também, é o nosso irmão de verdade, pois assumiu tudo o que é nosso, e não isentou-se nem mesmo da morte, a quem entregamos a mirra da nossa esperança que faz vencer a própria morte.
Regressaram por outro caminho”. Eis a prova de que, de fato, o encontramos, se   mudarmos de rota, converter-nos (Mt 4,17). Se para chegar até Ele muitas vezes tomamos caminhos suscetíveis de desvios, a partir do encontro com Ele o caminho será sempre bem orientado. Pois é a sua Palavra a estrela-guia de nossa estrada: “Quem ouve as minhas palavras e as põe em prática é sábio” (Mt 7,24). O outro caminho que Ele nos propõe é a estrada da superação do egoísmo, é o caminho que faz chegar a todos os povos a boa notícia da salvação. Epifania é este caminho, é a manifestação da salvação universal de Deus, sábio será aquele que neste caminho se deixar guiar pela Palavra que convoca e envia: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos...” (Mt 28,19). Não estaremos jamais sozinhos nesta senda, pois este menino, o recém-nascido de Belém, se chama Emanuel, e, portanto, é o “Deus-conosco até a consumação dos séculos” (Mt 28,20).



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana