Domingo de Ramos: Lc 19,28-40 e Lc 22,14-23,56 - Com os ramos da esperança proclamamos a vitória do crucificado

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A celebração do Domingo de Ramos, Domingo da Paixão não apenas dá início à Grande Semana da nossa Salvação, mas nos apresenta uma verdadeira síntese daquilo que, na perspectiva dinâmica da liturgia, iremos vivenciar a cada dia, chegando ao seu ápice na celebração do Tríduo Pascal do Cristo Morto-Sepultado-Ressuscitado. 
Na tensão entre morte e ressurreição, aparente derrota e real vitória, Jesus é o Cordeiro imolado, crucificado, homem das dores, mas é, sobretudo, o Cordeiro de pé, vitorioso e presente no meio de nós, penhor da nossa vitória sobre o mal e a morte, como afirma São Paulo: “Se com Ele morremos, com Ele viveremos” (2Tm 2,12). 
A liturgia hodierna nos apresenta dois momentos distintos, mas intimamente relacionados (bênção dos ramos + procissão e a celebração eucarística). Os textos bíblicos de hoje nos abrem à compreensão mais profunda dessa celebração que não é, como alguns pensam e fazem, uma dramatização do que aconteceu no passado, com direito a desfile de asnos tirando o foco do rito e folclorizando o momento. 
O simbolismo litúrgico não nos atrai para a exterioridade, mas nos faz mergulhar no mistério da salvação realizada na entrega generosa do Filho de Deus, que é sempre atual. “Não se trata de fazer uma piedosa recordação do passado... Mas de tornar presente ‘hoje’ o acontecimento, através da celebração litúrgica, e de vivê-lo na fé. Hoje somos chamados a reconhecer a divindade de Jesus, a sua messianidade, isto é, a sua ação de salvação em favor do mundo. Hoje somos chamados a entrar com Jesus no drama da sua paixão para compartilhá-la. A Igreja tem por vocação ser instrumento de Cristo, seu Chefe, em favor da redenção do mundo” (A. Bergamini, Cristo, Festa da Igreja, p. 296).
A narração da entrada de Jesus em Jerusalém, revestida de um simbolismo inesgotável, nos introduz de modo profundo no mistério da sua paixão, morte e ressurreição. Todos os gestos e palavras de Jesus sublinham o caráter profético desta entrada. É uma verdadeira síntese de todo o evangelho de São Lucas: “Jesus caminha à frente dos seus discípulos subindo para Jerusalém”. Este caminho para Jerusalém é o itinerário traçado pelo evangelista para falar da missão de Jesus que se consumará com a sua morte na Cidade Santa (9,31.51). Indo à frente dos discípulos, Jesus indica o caminho que devem seguir; caminho que não pode ter desvios, caso contrário, não se encontrará a cruz e, portanto, nada se cumprirá. 
E levaram o jumentinho a Jesus”. Tanto as Sagradas Escrituras como os Padres da Igreja utilizam o simbolismo animal (theriomórfico) para indicar aspectos da vida do ser humano, sobretudo os seus impulsos desordenados: “Não queiras ser semelhante ao cavalo, ou ao jumento, animais sem razão; eles precisam de freio e cabresto para domar e amansar seus impulsos, pois de outro modo não chegam a ti” (Sl 31,9). Orígenes, comentando essa passagem do evangelho, afirma: “Muitos eram os donos desse jumentinho, antes que o Senhor precisasse dele, mas depois que o Senhor se tornou o seu dono, deixaram de ser vários os seus senhores. Quando somos escravos da maldade, estamos sujeitos às paixões e aos vícios... Vós sois o jumentinho! Em que o Filho de Deus precisa de vós? Que espera ele de vós? Ele precisa de vossa salvação, ele quer vos desatar dos laços do pecado” (Orígenes, Homilia 37). 
Diferentemente do cavalo, animal utilizado para a guerra, o jumento era símbolo do tempo de paz. Portanto, Jesus montando num jumento não abdica de sua realeza, mas indica que tipo de rei é. Após a sua ressurreição dirá aos seus discípulos: “A paz esteja convosco!” (Lc 24,36), realizando aquilo que no seu nascimento os anjos anunciaram: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que ele ama!” (Lc 2,13), em perfeita com a aclamação do povo que agora o recebe: “Bendito o que vem, o Rei, em nome do Senhor! Paz no céu e glória no mais alto dos céus!” 
Puseram seus mantos... e a multidão dos discípulos, aos gritos e cheia de alegria, começou a louvar a Deus...” Tal gesto e vibrante aclamação serão, por um momento mais adiante, abafados pelos gritos dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei ao bradarem: “Crucifica-o! Crucifica-o!”.
Este rei, humilde e pacífico, será injustamente julgado como um malfeitor. A sua humilhação será tamanha a ponto de ser considerado mais digno de morte do que o próprio homicida, Barrabás, que: “havia sido preso por um motim na cidade e por homicídio”. 
No caminho do calvário, porém, as pedras começam a gritar através do lamento das mulheres que batem no peito. A palavra que Jesus dissera antes: “Se eles se calarem, as pedras gritarão” se inspira no Profeta Habacuc: “Sim, da parede a pedra gritará, e do madeiramento as vigas responderão” (Hab 2,11). No contexto histórico do profeta, corresponde à irresistível reação de quem, mesmo não tendo nenhum status jurídico ou força moral para mudar uma situação, vence a indiferença e denuncia a injustiça. 
Diante do acontecimento, não é possível ficar calado: ou depõe-se contra ou a favor. Os malfeitores suspensos à cruz também não são indiferentes diante da condenação do rei dos judeus e por isso optam por insultá-lo ou declará-lo injustiçado. Jesus, mesmo coberto de sofrimento e mergulhado na dor dilacerante, não é indiferente diante do pedido confiante do ladrão: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reinado”. Encontrar-se com Jesus, reconhecendo-o pela fé o seu reinado e seu poder salvador, é entrar no paraíso, por isso disse-lhe Jesus: “Ainda hoje estarás comigo no Paraíso”. Jesus não faz promessas indefinidas, que se perdem no tempo e apenas enganam, mas Ele realiza a sua obra salvífica no hoje da vida de cada pessoa que Nele crê e espera. Uma peculiaridade de São Lucas é o “hoje da salvação” (nascimento, batismo, anúncio do evangelho, casa de Zaqueu etc.). 
O ponto alto de toda a cena: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”, confiança absoluta que extirpará toda a dúvida de quem Ele era: “Verdadeiramente este homem era justo!”. Percorrer os passos da paixão e morte de Jesus nesses próximos dias só será possível se dermos o primeiro passo: deixarmo-nos desamarrar por Ele de tudo aquilo que nos aprisiona aos senhores desse mundo. Caso contrário, não seremos alcançados pela força de sua ressurreição. Se ele não ficou aprisionado no sepulcro, mas ressuscitou quebrando as algemas do pecado e da morte, foi para que não permaneçamos atados na nossa estribaria.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana