Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Na Bula de proclamação do Ano Santo, o Jubileu da Esperança, o Papa Francisco por mais de 13 vezes faz referência explícita ao Cristo Morto e Ressuscitado, chegando a afirmar que é Ele “o coração da nossa fé” (n. 20). Portanto, de modo muito especial, este Tempo Pascal que ora iniciamos nos convida e nos favorece entrar no âmago da nossa existência como cristãos, pois como nos diz São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé” (1Cor 15,14).No evangelho de hoje não encontramos apenas um relato da experiência do que Madalena e, em seguida, os dois discípulos fizeram no primeiro dia da semana indo ao sepulcro e encontrando-o vazio. Mas encontramos uma verdadeira catequese sobre a necessidade de a comunidade cristã, chamada permanentemente a fazer a experiência com o Cristo ressuscitado, tomar consciência da sua missão de testemunhar a sua fé Naquele que fora pregado na cruz, depositado no sepulcro, mas que está vivo e presente entre os seus, enviando-os em missão. O IV Evangelho deixa a entender que Maria Madalena foi sozinha ao sepulcro, diferentemente dos outros evangelistas que falam explicitamente de algumas mulheres que, bem cedo, foram ao sepulcro. Por outro lado, ainda que sutilmente, mas por justiça e honestidade diante do fato, não nega a presença das demais mulheres quando faz ouvir a voz de Madalena aos discípulos: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram”. Para entender melhor a razão de destacar a presença de uma única mulher é preciso considerar os textos bíblicos que inspiraram o evangelista na sua narrativa, sobretudo o Cântico dos Cânticos: “Em meu leito, pela noite, procurei o amado da minha alma. Procurei-o e não o encontrei” (3,1). Madalena representa a comunidade da Nova Aliança e, portanto, busca o seu Senhor que morreu por amor, e porque ama está vivo (“O amor é forte, é como a morte” Ct. 8,6), e que vem ao encontro da sua amada, ainda que por um momento se ausente da sua presença: “O amado está ausente, mas permanece presente no coração de sua amada, à qual se associam as companheiras” (nota da Bíblia de Jerusalém, Ct 1,2). Inspirado na poesia romântica do Livro, o evangelista apresenta de forma realista a experiência do encontro com o Senhor ressuscitado; crer na ressurreição é fruto de um processo de busca e encontro, muitas vezes vivido na tensão entre aceitar pela fé e querer compreender pela razão. Por 7 vezes nesta perícope encontramos a palavra sepulcro, modo de apresentar o realismo da morte de Jesus, pois a sepultura é sua confirmação e faz parte do primeiro anúncio (querigma): “3Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi: Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. 4Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Cor 15,3-4). Indo ao sepulcro, Maria Madalena pretende encontrar o corpo morto do Senhor e para sua surpresa a pedra tinha sido retirada, o que até então seria o grande empecilho para adentrar no sepulcro. Porém, outra pedra se interpõe: a incompreensão diante do que encontrou, e por isso pede ajuda aos discípulos que, por sua vez, vão imediatamente ao túmulo.“Os dois corriam juntos”: Pedro e o discípulo amado se dirigem ao sepulcro com a mesma disposição, porém o Discípulo amado corre mais rápido, isto é, o amor chega primeiro, contudo, é humilde, cede o seu lugar ao outro: “Chegou primeiro... Mas não entrou”. Contudo, ambos veem o mesmo cenário: “os panos de linho por terra... o sudário, que cobrira a cabeça de Jesus. O sudário não estava com os panos de linho no chão, mas dobrado em um lugar, à parte”. Há muitas interpretações diante desse fato, sem dúvidas, válidas e complementares; preferimos, porém, seguir na perspectiva já acenada que destaca como fonte de inspiração para o evangelista a literatura sapiencial, de modo especial o Livro do Cântico dos Cânticos: “Arrasta-me contigo, corramos! Leva-me, ó rei, aos teus aposentos e exultemos!” (1,4). A apresentação detalhada dos panos no chão e o sudário dobrado, remete ao tálamo conjugal depois das noites de núpcias. O salmista dirá: “O sol sai, qual esposo do seu quarto nupcial, como alegre herói, percorrendo o caminho” (Sl 19,6). Jesus ressuscitado é, a verdade, o sol nascente que nos veio visitar (cf. Lc 1,78). Não podemos esquecer que a alegoria do casamento perpassa todo o IV evangelho, pois o primeiro sinal realizado é justamente durante as Bodas de Caná (2,1); João Batista identifica Jesus como o noivo da Nova Aliança, considerando-se seu amigo (3,29); o encontro de Jesus com a Samaritana (4,16) também tem conotação esponsal; por fim, Jesus inclinando a cabeça, adormece na cruz, como Adão adormeceu para que de seu lado fosse tirada a sua mulher Eva.“Viu e creu”: essa expressão pode ter duas linhas de interpretação: o discípulo amado ao entrar no sepulcro, vendo o que fora descrito, acreditou no que dissera Madalena. Mas também pode preparar as cenas seguintes; oito dias depois, essa expressão será corrigida pelo desafio que Jesus ressuscitado lançará aos seus discípulos: “Felizes os que não viram e creram” (20,29).O Tempo Pascal nos renova na nossa consciência de que somos batizados, seguidores de Jesus, e como povo da Nova Aliança, Comunidade dos discípulos do Ressuscitado, anunciamos a ressurreição de Cristo não apoiados em manifestações extraordinárias, mas crendo na sua Palavra: “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (2,19). Não cremos porque o vimos, mas porque continuamos a ouvi-Lo: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim jamais morrerá”. E Ele continua a nos perguntar: “Crês nisso?”(11,26). Celebrar a Páscoa, como Peregrinos da Esperança, é testemunhar com palavras e ações que o Cristo Morto e Ressuscitado é verdadeiramente o coração da nossa fé, a razão da nossa esperança.
Dom André Vital Félix da Silva, SCJBispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CEMestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana