Dia do Natal do Senhor: Jo 1,1-18 - Emanuel: o Deus que fala conosco

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Com a vinda do Filho de Deus a este mundo, assumindo a nossa humanidade, o Pai nos concedeu o dom de participarmos da sua divindade (cf. Coleta): “A todos que receberam a Palavra, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus...”. Eis a grande verdade celebrada no Natal: Deus não nos quis apenas criaturas entre outras, mas nos adotou como filhos e filhas no seu Filho Unigênito, pois por meio dele recebemos todas as graças: a verdade e a salvação. Verdade que nos liberta de todas as escravidões que desumanizam (8,32) e a salvação que nos é dada pela fé em Jesus que veio para que todos tenham vida e vida em plenitude (10,10). 
A boa notícia de libertação do exílio da Babilônia trazida pelo mensageiro, cujos pés são belos, proclamava a intervenção de Deus junto ao seu povo, concedendo-lhe a alegria de voltar para Jerusalém a fim de reconstruí-la e recuperar a paz (1ª Leitura). Reconhecer a beleza dos pés do mensageiro não significa admirar a formosura de uma parte do seu corpo, mas contemplar o caminho aberto no deserto pelo próprio Deus que reconduz o seu povo à liberdade na sua pátria, Jerusalém. Portanto, os pés se tornam belos, apesar de empoeirados e machucados pela dureza do caminho, porque indicam que o novo êxodo começou. O nascimento do Filho de Deus entre nós leva à plenitude esse anúncio de libertação; Deus não envia mais mensageiros, mas Ele mesmo vem falar conosco, por meio do seu Filho, “constituído herdeiro de todas as coisas”, inaugurando os últimos tempos, o tempo da graça da filiação (2ª Leitura). É o Verbo encarnado que vindo ao mundo inicia a Páscoa definitiva, e cujos pés feridos na cruz, mas tendo vencido a morte, não terão só beleza, mas a estabilidade do seu reino como o bronze incandescente no forno (cf. Ap 1,15). 
O Evangelho de hoje nos apresenta como e o que o Filho nos fala e fez para a nossa salvação. Depois de escrever o seu evangelho, João coroa toda a sua obra com essa página riquíssima de ensinamento que revela quem é Jesus e a sua missão, uma verdadeira introdução e síntese de todo o IV Evangelho.
Com a mesma expressão: “No princípio” (Gn 1,1: Bereshit / Jo 1,1: En arché), João evidencia a íntima relação entre a primeira criação e a nova e definitiva criação agora realizada na encarnação do Verbo Eterno, sem o qual nada foi feito (1,3). A Palavra estava com Deus e era Deus, uma verdade presente em todo o evangelho: “O Filho só faz o que vê o Pai fazer... Eu e o Pai somos um... Estou no Pai e o Pai está em mim (5,19; 10,30; 14,10). “Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens”: Vida e luz, ainda que tenham conotações diferentes, são termos que se relacionam intrinsecamente para falar da missão de Jesus: “O Bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas...Eu darei a minha vida” (10,11.17.19), a luz é sinônimo de discernimento que permite conhecer a verdade para ter a vida: “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (8,12). Portanto, vida e luz são o conteúdo do projeto que o Pai entregou ao Filho. E crer Nele é alcançar a plenitude da vida. João Batista, conhecido como precursor, é apresentado no IV evangelho como testemunha da luz, pois ele não apenas anunciou a vinda, mas indicou o Messias presente, o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (1,29). 
E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”: o núcleo do Prólogo, mas também a verdade central da encarnação. Deus não veio apenas passar um tempo no mundo, mas veio estabelecer a sua morada entre nós. Armar a tenda em nós (entre nós, conosco? lit. grego: eskenosen en hemin) se transformará em morada permanente: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos morada” (14,23). A encarnação do Verbo, portanto, tem frutos naqueles que o acolherem, tornar-se-ão lugar de sua morada, onde resplandece a luz e a verdade, pois escutam a sua voz. 
Fazendo uma relação entre Moisés (AT) e Jesus (NT), entre o regime da Lei e o da Graça, o evangelista resume toda a história da Salvação que não se contradiz nas suas várias fases, mas tem um desenvolvimento de superação coerente pois tudo é obra da sabedoria de Deus, ainda que haja tentativas do poder das trevas de querer vencer a Luz. Celebrar o Natal não é apenas fazer memória de um acontecimento histórico que se deu há mais de dois mil anos. Celebrar o Natal é proclamar a vitória da Luz sobre as trevas, do amor sobre o ódio, da vida sobre a morte; é proclamar e acreditar que Deus fala conosco e nos diz no seu Filho que nos ama e nos faz também seus filhos e filhas.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana